ARTIGOS DE UM FILÓSOFO CLÍNICO
Uma fonte extraordinária
Hélio Strassburger
Hélio Strassburger
“Que distância percorrida desde as margens do Nada, desse Nada que nós fomos até esse alguém, por ridículo que seja, que reencontra o seu ser para além do sonho!”
Gaston Bachelard
Gaston Bachelard
Um viés de interseção entre expressividade e busca pode ser encontrado no cotidiano. Mesmo quando a pessoa faça referência a si mesma como lugar de realização, seus episódios existenciais podem ser desmerecidos e ilegíveis ao olhar sem noção de si mesmo.
A desorientação precursora, tratada pela adesão apressada a ideologia da sua tribo, costuma significar infindáveis labirintos a afastá-lo cada vez mais de seu eixo. O ambiente onde nasceu e sua família, onde aprendeu a ler e escrever, a escola e a igreja, já deformam autenticidades, ainda mais quando a criança começa a expressar contradições de aparente sem sentido. Daí logo surge alguém para ensinar os meios para renunciar os sonhos em razão da aceitação social.
O alcance da domesticação depende muito da singularidade e do contexto envolvidos. Lógicas de rebanho apreciam fundamentar rituais para desacreditar autonomias e deixar tudo como está. A noção de coerência institucional oferecida desde cedo, além de dificultar possibilidades de invenção e criatividade, também serve para enraizar sensações de deslocamento e impossibilidade de conhecer outras verdades. Assim a diferença é ameaça e passa a ser vista como marginal, um desajuste com o mundo considerado normal.
É possível viver uma vida inteira em desacordo consigo mesmo. Instantes de negação aos momentos de recém-descoberta. Os itinerários da originalidade pessoal podem seguir distorcidos, e viver como se fossem expectadores nos próprios eventos.
A busca pessoal pode seguir desfigurada ao tentar se adequar aos arranjos da conformação dominante. Um discurso bem acabado por onde se instituem as leis e o gesso aos propósitos de mudança. O significado de cada um passa a ser desmerecido, como se fosse inevitável viver assim.
Gilles Deleuze refere: “Só Dioniso, o artista criador, atinge a potência das metamorfoses que o faz devir, dando testemunho de uma vida que jorra; ele eleva a potência do falso a um grau que se efetua não mais na forma, porém na transformação – ‘virtude que dá’, ou criação de possibilidades de vida: transmutação.”
O bem estar representado pela verdade das cidades, aparece como algo a ser alcançado a qualquer preço. Endividados, devedores e credores se encontram culpados e a sustentar uma lógica das aparências. Um fascínio irresistível a acenar coisas cada vez mais distantes, onde o sujeito passa a ser objeto. Os dias se passam na ante-sala das promessas não cumpridas.
Ao discurso previsível da normalidade a busca pessoal dessemelhante surge como ilusão. Premonição inadequada e distante dos consensos estabelecidos na tribo. Para mostrar os dias como entregues a própria sorte, refere tudo ao redor como destituído de pontos de fuga.
O ser animado pela juventude e alegria dos recém-chegados na aldeia costuma permanecer multidão, vagar para longe de si e alimentar sensações de chegar a lugar algum. Para que o extraordinário aconteça, parece impreciso conjeturar esboços aos novos caminhos.
Ficar á deriva de si, para suportar momentos de transição pode ajudar a desintoxicar as ressonâncias históricas, por onde alguns fantasmas ainda sobrevivem. Na multiplicidade dos cotidianos papéis, muitos são os esboços para depois de amanhã. Quem sabe o imaginário possa encontrar outros nexos, na especulação dos rascunhos com as provisórias certezas. Talvez aí a história de cada pessoa possa deixar de ter autoria desconhecida.
Michel Maffesoli assim refere, sobre a natureza dos disfarces: “o sentido para a pessoa é fornecido pela pluralidade das máscaras que a constituem, e pelo contexto no qual suas diversas máscaras poderão expressar-se”.
Um lugar onde as miragens e a sensação de se mover em direção ao nada, sejam superados pelo olhar a desvendar subúrbios. A restrição intercalada nas crises de cada um, pode querer dizer coisas ainda sem nome ou referir exílios, quando os contornos inesperados começarem a surgir.
Quem sabe uma epistemologia mutante, consiga dialogar com o ímpeto de transformação calado pela ética dos consensos. Capaz de realizar as proezas e peculiaridades, reservadas a essa afinidade enigmática onde ser e não-ser passam a integrar uma coisa só.
Ao tentar desconstruir a idéia de que o melhor já foi feito, aumenta a suspeita de se encontrar a improvável arte de encantar a vida. Uma pluralidade perspectiva onde os subterfúgios de transgressão surgem em contraponto à rigidez de uma só versão.
Na dialética de Jorge Luis Borges: “o homem que se desloca modifica as formas que o circundam”. Assim a expressividade clandestina pode descobrir vias de acesso às novas linguagens e horizontes plurais, até então tidos como absurdos na ótica do bom senso.
O itinerário nômade ou de percurso desnorteado aprecia descrever inacreditáveis fenômenos. A busca por cultivar espíritos livres parece estar relacionada à contradição com os propósitos de ser um só. Presságios para alguém desacostumado com a procura pelos arredores de si mesmo.
Ao perseguir coisas de superfície é provável a verdade de cada qual seguir impronunciada.
Localizar episódios existenciais até então desarticulados, pode ajudar a intuição e o instinto encontrar novos rumos. Nos sucessivos enredos contidos entre o dizer e o fazer, os estilhaços da errância podem realizar façanhas consideradas fantasiosas e descobrir vontades ainda sem representação.
O apelo sedutor dos princípios de verdade costuma conter sofisticadas armadilhas, várias delas estimulam alguma forma de competição ou comparação com os demais. Nesse sentido, apostam na dificuldade em se descobrir as lógicas do imprevisível, ao sugerir sua incompreensão ou desatino. Ao vislumbrar as texturas do paraíso perdido, talvez seja possível encontrar a fonte de inspiração para o que vem depois.
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