quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

ARTIGO DE UM ESPECIALISTA EM FILOSOFIA CLÍNICA

A utilização de uma consciência para a alteridade em Filosofia Clínica
 Marcelo Osório Costa
 Belo Horizonte/MG

Para que algo se torne compreensível é necessário que se vá ao mundo existencial do outro, seja este quem for. Antes de iniciar como se utiliza a consciência para a alteridade, serão apresentados alguns pontos a serem observados e considerados para que o filósofo clínico possa fazer uma correta análise literal dos dados relatados pela pessoa. Diante da história de vida do partilhante, cabe ao terapeuta despir-se de algumas idéias arbitrárias. É se proteger das revoltas do mar, quando há possibilidade do navio estar à deriva do mar e do vento, sem direção alguma. O terapeuta também deve compreender que existem alguns pensamentos que revelam hábitos que podem ser imperceptíveis a ele. É necessário ao terapeuta, então, andar em direção contrária a essa limitação se quer uma leitura dos dados literalmente colhidos da história de vida do partilhante (pessoa que procura pelos serviços do filósofo clínico). O filósofo clínico[1], por sua vez, deve também orientar a sua intencionalidade para o partilhante e para as suas questões últimas. Gadamer propõe o seguinte: “(...) orientar sua vista ‘às coisas elas mesmas’” (GADAMER, 1997).

Muitos filósofos clínicos se vêem, no processo terapêutico, a quase todo instante suscetíveis aos desvios de suas próprias idéias, possivelmente por este motivo pode não ser possível aproximar de uma só vez a Estrutura de Pensamento[2] da pessoa que  procura pelos seus serviços. Essa tarefa, ao que se percebe em clínica, poderá ser alcançada quando se tem a idéia de que a Estrutura de Pensamento é primeira, constante e última, simultaneamente. O filósofo clínico não é um herói que alcança a leitura dos dados literais da Estrutura de Pensamento total e instantaneamente, mas deve compreender que é um processo epistemológico constante. O que importa para o terapeuta é não perder de vista o Assunto Último do partilhante. Segundo Goya, Assunto Último é (...) quando revela a(s) problemática(s) mais importante(s). Último aqui não tem sentido metafísico, essencial, único, como se não houvesse a possibilidade de outro assunto além. Significa o má­ximo de profundidade na análise do problema até o momento. (GOYA, 2008).

Em busca da aproximação da Estrutura de Pensamento do partilhante, e ao manifestar o Assunto Imediato e/ou Último em clínica filosófica, através da historicidade da pessoa, o terapeuta começa a pressupor, ou seja, a dar uma perspectiva clínica do todo da vida da pessoa. Isto significa que no momento que o partilhante relata para o filósofo clínico o seu Assunto Imediato e/ou Último, o terapeuta começará a direcionar o processo clínico. Naturalmente, o sentido histórico e total no processo clínico-filosófico somente se manifestará ao escutar e analisar toda a história do partilhante, e esse sentido se faz a partir da identificação do Assunto Imediato e/ou Último.

Quando o filósofo clínico se dispõe a compreender a história de vida de uma pessoa aproximando-se da Estrutura de Pensamento desta, o terapeuta realiza um projetar. Para compreender aquilo que é relatado pelo partilhante é preciso uma elaboração de um projeto prévio. Este “projeto prévio”, denominado assim por Gadamer, em sua obra Verdade e Método, poderá ser compreendido, em Filosofia Clínica, como a Colheita Categorial, os Exames Categoriais, a montagem da Estrutura de Pensamento e a Autogenia, e a posterior Análise da Estrutura de Pensamento.

O conteúdo obtido através destes procedimentos em Filosofia Clínica deve ser constantemente revisado tendo como base aquilo que vai se manifestando fenomenologicamente no processo terapêutico, tendo como referência a identificação do Assunto Imediato e/ou Último para não comprometer a perspectiva terapêutica. Packter, em seu Caderno B, # 23, propõe que três critérios são necessários para eleger os tópicos, que são eles: Assunto Imediato; Dado Padrão; Dado Atualizado. Desta forma, podemos entender que revisar significa enfatizar a escuta e relacionar as partes relatadas, pelo partilhante, com a totalidade histórica da pessoa, tendo como referência os critérios apontados por Packter.

Na medida em que o filósofo clínico se depara com a história de vida do partilhante é necessário revisar constantemente o projeto prévio, possibilitando, assim, um novo projeto. Assim, relações, tempos, lugares, circunstâncias, emoções, buscas, etc., são possíveis aparecer no decorrer do processo clínico-filosófico, e isto atesta a plasticidade da Estrutura de Pensamento. Desta forma, outros projetos poderão, diante da historicidade da pessoa, ser colocados lado a lado para que se possibilite estabelecer uma unidade de compreensão histórica.

Quando se procura compreender a história de vida do partilhante, possivelmente o terapeuta ficará exposto a equívocos de opiniões prévias. Isto é corroborado quando o filósofo clínico se depara com o próprio relato histórico do partilhante em clínica, ou seja, os pré-juízos não se confirmam naquilo que a pessoa é, por exemplo, os seus significados e seus valores representados pelo partilhante. Desta forma, compreender a história de vida da pessoa se dá a partir da elaboração dos projetos corretos e adequados às coisas do partilhante, e não de outra pessoa. Não se deve esquecer que projetos são antecipações que, a partir disto, podem ser utilizadas como referenciais na aplicação de Submodos.

Como é possível alcançar, então, a compreensão da história de vida do partilhante? Isto se dá quando há uma escuta literal, por parte do filósofo clínico, daquilo que o partilhante relata; algumas intervenções que, em Filosofia Clínica, são chamadas de Agendamentos Mínimos; a utilização de Divisões Gerais e Específicas; os Enraizamentos; Autogenia; e, Análise da Estrutura de Pensamento. Nenhuma compreensão da historicidade da pessoa será possível sem a identificação e a perspectiva clínica em relação ao Assunto Imediato e/ou Último. Pode-se entender, de modo geral, que pode haver incompreensão do histórico de vida da pessoa quando o terapeuta não vai ao mundo existencial do partilhante.

Não é possível haver um direcionamento clínico se o terapeuta não acompanhar atentamente o relato e os dados de semiose que se manifestam através da Estrutura de Pensamento da pessoa. A pouca proximidade do filósofo clínico em relação à pessoa naquilo que ela é no ambiente que ela está, poderá trazer como conseqüência certa desestruturação no partilhante e não alcançar o objetivo da Filosofia Clínica que é a busca da pessoa. Gadamer contribui relatando que “O que se exige é simplesmente a abertura da opinião do outro (...)” (GADAMER, 1997).

Para alcançar a compreensão do outro é necessário que essas exigências sejam vistas como fundamentais e radicais. É claro que existem alguns procedimentos que se farão quando necessários como, por exemplo, os enraizamentos. Um possível equivoco ético, em Filosofia Clínica, pode ser, por exemplo, quando diante de qualquer relato da historicidade de uma pessoa introduzir, por parte do terapeuta, direta e acriticamente os seus próprios hábitos lingüísticos, de conteúdos, significações, representações, axiologias, modelos epistemológicos, etc. É reconhecido como tarefa do filósofo clínico, dentre outras, alcançar, por aproximação, a compreensão do relato histórico existencial da pessoa tendo como ponto de referência as representações de mundo do partilhante. Gadamer, portanto, adverte que:

(...) o que é dito por alguém, em conversação, por carta, em um livro ou seja como for, encontra-se, de princípio, sob a pressuposição de que o que é exposto é sua opinião e não a minha, da qual eu tenho que tomar conhecimento (...) (GADAMER, 1997).

Como, então, compreender a representação do partilhante identificando que existem diferenças entre a representação do terapeuta e do partilhante? Uma hipótese pode ser apresentada quando há um choque entre a forma de representar o mundo, por parte do filósofo clínico, com o relato da história de vida do partilhante e suas representações de mundo. Este choque poderá manifestar certa percepção de um possível ser-diverso do uso das linguagens e suas representações existenciais. Para Deleuze “Deste modo, o registro da diferença se faz na identidade de um conceito indeterminado” (DELEUZE,1988). O mundo existencial do partilhante com suas representações, significados, emoções, axiologias são compreendidas como singulares quando o filósofo clínico se vê e se identifica como outro diferente e diverso do partilhante.

De um modo geral, no processo terapêutico poderá ocorrer que algumas representações, entre filósofo clínico e a pessoa, sejam familiares, usuais e comuns em seus usos e significados, porém, em casos singulares, na representação do partilhante, é necessário o uso de enraizamentos para que se tornem compreensíveis determinados conceitos. Para que as representações, significações, etc., se tornem familiares Packter adverte que “A pessoa é a medida de tudo o que lhe está em relação, medida essa que somente ganha significado com a qualidade da Interseção” (PACKETR, Caderno B, # 27). Assim, a Interseção é um aspecto a ser observado, pois ela determina todo o processo clínico quando não se perde de vista o objetivo da Filosofia Clínica. Packter, no entanto, nos mostra que “Tudo em clínica é a resultante da qualidade da Interseção entre o filósofo e a pessoa” (PACKTER, Caderno A, #11).

O filósofo clínico, ao querer compreender a historicidade da pessoa, não pode entregar-se à casualidade de seus pré-juízos e representações e ignorar aquilo que a própria história de vida do partilhante está manifestando. Assim, o filósofo clínico que quer compreender o mundo existencial do partilhante deve, em princípio, estar disposto a deixar que a própria Estrutura de Pensamento da pessoa diga alguma coisa por si mesma. Por isto que uma consciência formada para a alteridade deve sempre se mostrar receptiva, desde o princípio, para a história de vida do partilhante. Essa receptividade do terapeuta não diz respeito a uma auto-neutralidade e nem um auto-anulamento em relação ao partilhante, mas se deve compreender a existência e aquilo que é meu e do outro na diversidade de representações de mundo.

Referências Bibliográficas:
. DELEUZE,Gilles.Diferença e repetição.Rio de Janeiro:Graal,1988.
. GADAMER,Hans-Georg.Verdade e Método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica.Petrópolis: Vozes,1997.
. GOYA,Will.A Escuta e o silêncio: lições do diálogo na filosofia clínica.Goiânia.Ed.da UCG,2008.
. PACKTER, Lúcio.Cadernos de Filosofia Clínica. In: caderno A.Porto Alegre:1995 e 1999.
______.Cadernos de Filosofia Clínica. In: caderno B. Porto Alegre:1995 e 1999.
 
[1] É inicialmente o estudante de filosofia disposto a compartilhar um caminho incerto com outras pessoas, a atuar filosoficamente em cada endereço desse caminho tal, pois é em cada endereço que sua identidade se modela. Partilhando um período da existência de outro ser, sob a responsabilidade que o nomeou filósofo, sua identidade reside em sua posição dentro da situação vivenciada (PACKTER, Caderno A, # 5).
[2] É o modo como a pessoa está existencialmente no ambiente. (PACKTER, Caderno A, # 16).

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

FILÓSOFO CLÍNICO: O SUJEITO E SUA DANÇA À BEIRA DO ABISMO

ARTIGOS DE UM FILÓSOFO CLÍNICO

FILÓSOFO CLÍNICO: O SUJEITO E SUA DANÇA À BEIRA DO ABISMO
Hélio Strassburger

“É urgente partir sem medo e sem demora para onde nascem os sonhos , buscar novas artes de esculpir a vida.”
Armando Artur- poeta moçambicano

Quero compartilhar com vocês, alguns instantes do meu ser Filósofo Clínico. Os enfoques e perspectivas se apresentam, nos contextos da singularidade de cada caso, podendo mudar diagnósticos e prognósticos, se tratarmos de outros casos em outros contextos.

Espero alcançar a vocês alguns instrumentos capazes de contribuir para o ser terapeuta de cada um, através dos relatos e vivências aqui abordados. A escolha dos casos clínicos foi aleatória. Provavelmente, alguns dos mais interessantes, não possam ser compartilhados para além da interseção clínica, devido às singularidades envolvidas.
Acredito, que o ser terapeuta, acontece em um processo, numa dialética capaz de envolver sujeitos, num vir-a-ser impregnado de fracassos e acertos, onde a nossa humanidade se coloca à prova em cada momento, através dos silêncios, palavras, gestos e atitudes, na direção de compreender e atuar com o outro.
Existe uma cena no filme “Desconstruindo Harry”, de Woody Allen, em que o personagem fica “fora do foco”. Pois bem, às vezes se faz necessário desfocar nossos pré-juízos, para re-adequar nossa compreensão às possibilidades do novo, por um caminho sem estrada ou direção a seguir, no qual constantemente o fenômeno se mostra.
Penso que a clínica se inicia, quando a pessoa cogita a possibilidade de fazer terapia. A partir daí, numa sucessão de eventos, ela faz a sua escolha, no que se refere o profissional que irá atende-la. Neste momento, o sujeito já esboça alterações comportamentais, como o caso de S., sem queixas de insônia, alcoolismo e depressão: “Quando decidi te procurar, indicado por uma amiga das caminhadas no parque, logo imaginei como deveria me vestir para encontra-lo, precisava arrumar o cabelo que estava horrível e escolher um sapato adequado! Ouvi dizer que filósofos clínicos não medicam, não internam e não acreditam em loucura! Afinal, agora eu tinha alguém para me entender! Naquela noite, após marcar a consulta, dormi sete horas diretas, sem precisar da minha cervejinha.”
Noutro caso, M., após uma viagem de seis horas de Florianópolis/SC a Porto Alegre/RS, relata: “Saber que tu estavas aqui em Porto Alegre, no teu consultório, e que nós tínhamos duas horas de terapia, tornou minha vida melhor com uma semana de antecedência, até a viagem foi prazerosa.”
O filósofo Merleau-Ponty, em seu texto “Olho e o espírito”, esclarece: “O homem é espelho para o homem. Quanto ao espelho, ele é o instrumento de uma universal magia que transforma coisas em espetáculos, os espetáculos em coisas, eu no outro e o outro em mim.”
O papel preliminar do Filósofo Clínico é de acolher e compreender a pessoa que lhe chega. Às vezes, a pessoa já passou por vários profissionais, esteve internada e incapacitada de interagir com a vida. Nestes casos , assim me parece, o abismo se aproxima mais de quem sofre. Foi assim com R., que veio ao consultório após alguns anos de terapia no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Ela trazia consigo o diagnóstico de esquizofrenia. Nós não atuamos com base nas tipologias, por que, dentre outras coisas, acreditamos que nossa humanidade requer atenção e dedicação especial, para além das penitências alopáticas.
Compreensão e cuidados se fazem caso a caso, de acordo com o universo existencial de cada um. Muitas vezes, trata-se de um assunto imediato ou queixa, associado a manifestações de esteticidade, as quais contextualizadas na historicidade da pessoa, passam a ser compreensíveis, cujos comportamentos cumprem uma ou mais funções na malha intelectiva do sujeito que chega. Pois bem, R. assim se apresentou, referida, de forma pouco estruturada, que não era compreendida pelas pessoas, dizia uma coisa e interpretavam outra, sentia muita saudade de casa e da família, apesar de ter sido expulsa por eles, pois brigava muito com todos.
Neste caso, a desestruturação de raciocínio foi padrão, no que se refere ao primeiro encontro, à medida que a narrativa do seu histórico avançava, R. mostrava-se mais “à vontade” quando falava de si e das suas circunstâncias. Dona de uma estrutura riquíssima, a autogenia assim se mostrou: “R. amava o exótico, tanto com objetos, lugares ou pessoas, necessitava buscar “coisas novas” a todo instante, sua paixão pela arte ajudou muito a contemplar este aspecto, expresso pelas pinturas, esculturas e pesquisa com moda de época mas seguia incompreendida pelas pessoas que lhe eram caras, a mãe, irmãos e a filha. Considerada “alienada”, porque não desempenhava uma atividade produtiva tradicional, R. ficava cada vez mais triste, até o momento em que um “iluminado” proferiu sua sentença: R. está maluca!; parecer avalizado por um profissional que a internou!
Trabalhando com uma metodologia diferente e, entendendo a pessoa através de um viés epistemológico afinado com nossa humanidade, pude compreender a novidade do sujeito que aparecia. Isto se deu pela via da interseção, por onde a solidão de R., bem como seus demais sentimentos e percepções puderam ser compartilhados. Através da historicidade, e da elaboração autogênica, fomos descobrindo, R. e eu, que uma das possibilidades para estabelecer contato como mundo era sua arte, cujos significados ela própria traduziria aos demais, ou seja, ela interpretaria a si mesma utilizando-se da pintura e dos desenhos.
Com a participação e ajuda de seu companheiro e da sua filha, isto se tornou possível. Hoje R. tem uma produção artística de valor, encontrando-se outra vez inserida no contexto que antes não a compreendia.
A análise da matéria- prima oferecida pelo partilhante na etapa da localização existencial, se faz à base para o momento seguinte da clínica, ou seja, a montagem da estrutura de pensamento e a identificação dos submodos, isto quando o partilhante possui uma interseção positiva com o filósofo clínico, capaz de impulsionar uma disponibilidade ou uma abertura à perspectiva terapêutica que se oferece.
Num texto intitulado “A casa dos loucos”, o filósofo francês Michel Foucault ensina: “No fundo da prática científica existe um discurso que diz: nem tudo é verdadeiro; mas em todo lugar e a todo momento existe uma verdade a ser dita e a ser e a ser vista, uma verdade talvez adormecida, mas que no entanto está somente à espera de nosso olhar para aparecer, à espera de nossa mão para ser desvelada. A nós cabe achar a boa perspectiva, o ângulo correto, os instrumentos necessários, pois de qualquer maneira ela esta presente aqui e em todo lugar.”
Foucault me faz relembrar um caso clínico que batizei como: “o marinheiro que sabia curar”; um dos raros trabalhos que tive, onde coincidiram assunto imediato e assunto último: G. um ex – marinheiro europeu, atualmente residindo em, Porto Alegre, aposentado em razão de acidente, chegou ao meu consultório indicado por uma amiga em comum. Sua fala inicial, dizia de dores insuportáveis no braço direito, insônia e muita tristeza devido a este fato. Uma análise preliminar da estrutura mostrava que G. não tinha o braço direito!
Com as circunstâncias investigadas, o diagnóstico ficou acessível à compreensão clínica, ou seja, G. perdeu o braço em um acidente de moto, aos 24 anos de idade, quando recebeu a notícia da morte do pai. Neste evento, ficou em coma por alguns dias, num hospital no sul da França, onde relatou experiências “fora do corpo”. Recuperado, G. volta ao Brasil e aqui se estabelece, vem residir em Porto Alegre e conhece sua companheira. Mas as dores no braço continuam, realiza vários exame médicos e nada consegue. G. é levado pela companheira a um centro espírita, onde descobre uma habilidade peculiar: com a mão que lhe resta, onde G. toca, transmite uma energia capaz de curar. E, quanto mais se utiliza desta força, mais forte fica, suavizando inclusive as dores. Segundo G., seus colegas da comunidade espírita, que possuem o dom da mediunidade, afirmam enxergar o braço direito de G. em ação, em plena atividade curativa.
G. revela ter auxiliado várias pessoas nestes últimos anos, inclusive pacientes com diagnósticos de câncer terminal, os quais apresentaram um elevado grau de remissão dos mesmos.
G. permanece atuando, numa comunidade extremamente pobre, no sopé do morro Porto Alegre, incógnito, realizando um trabalho maravilhoso junto aos que sofrem, longe dos hospitais, universidades e do mundo das “compreensões racionais” convencionais.
Encontrar alguém com quem compartilhar sua dores e descobertas, tem ajudado G. a prosseguir na sua atividade de auxílio aqui em Porto Alegre. Uma tradução sintetizada da autogenia de G. : O que acha de si associado ao papel existencial e tópico de singularidade em interseção negativa com pré-juízos, busca e princípios de verdade, isto tudo em processos inversivos de somaticidade, desconstruidos por comportamentos fortemente enraizados nas funções intelectivas que embasam os tópicos acima.
Os desafios se mostram de várias maneiras, como o exemplo de A . 27 anos, usuário de cocaína há sete, comportamento violento em certos contextos, o que já lhe valeu algumas internações e dois tiros na perna. Trazido pela avó, que queria salva-lo das drogas, A . no início se mostrava muito desconfiado, falando muito, e com expressões que me pareciam desprovidas de conteúdo. Iniciamos com duas sessões por semana. No primeiro mês A . cumpriu fielmente sua parte no contrato, após, começou a chegar atrasado, inicialmente 10 a 15min., depois 30 min., até as ausências sem aviso. O jogo tinha iniciado!
Porque era desta forma que ele estabelecia relação com o mundo. Vejamos a autogenia: “A . sempre fora educado para ser melhor, foi assim na escola, no judô, natação e inglês. Ocorre que A . não conseguia se destacar, e, cada vez que isto acontecia, a mãe o punia severamente, pois ela via o filho como o melhor, com a convivência do pai; as medidas educativas consistiam em trancá-lo no quarto, sem alimentação, exposição ao ridículo na comparação com os outros irmãos e amigos, bem como proibição de passeios ou jogos. A . descobriu que poderia ludibriar a mãe, falsificando notas e resultados, para agrada-la. Assim foi por algum tempo, até a descoberta e as punições que se seguiram. A . age como se esperasse a todo instante, uma restrição punitiva de alguém, com o agravante de reações violentas em alguns casos. Pós duas semanas de ausência, liguei para A . perguntando-lhe como ele estava e, se precisava de algo, não mencionando suas ausências aos encontros. Ele buscou justificar-se, reafirmei que importava saber se estava bem, ele disse que sim, mas nenhum indício que retornaria a terapia. Por intuição na semana seguinte, no horário
Da sessão de A ., lá estava eu a sua espera, a razão dizendo que ele não apareceria, mas algo afirmava que viria, foi o que aconteceu. A . apareceu no horário, e, os conteúdos trabalhados, foram de grande valor para o processo terapêutico, bem como os encontros seguintes. Hoje, temos seis meses de caminhada. A . ainda falta algumas sessões, mente um pouco, como que para testar onde está pisando. Tento mostrar, que existe um mundo diferente por trás das imagens torcidas que seu espelho vinha lhe mostrando até hoje, sou uma espécie de cúmplice neste trajeto que A . percorre, na direção de uma vida melhor para si.
Algumas vezes os ensinamentos da teoria só servem como teoria. Estou falando, por exemplo, do agendamento mínimo nos exames categoriais. Lembro de um atendimento efetuado com C . ,09 anos de idade, trazida pela mãe, cujo diagnóstico (proferido pela mãe) era “loucura”. Para viabilizar a terapia, utilizei, esteticidade seletiva combinada com análise indireta, para qualificar aquilo que acredito ser o motor de partida da clínica: a interseção!
O dado de semiose prioritário da menina era o desenho, através do qual ela falava de si e de suas vivências. Para chegar à este momento de terapia, o trabalho foi desafiador: iniciamos a clínica com a presença da mãe, o que não ajudou nenhum pouco, pois ela falava pela filha. Em outro momento, perguntei-lhe: o que estava acontecendo? Resposta: não sei! Após, tentei descobrir onde nasceu, e recebi um sonoro silencio como resposta! E agora? O que fazer? Tentei desenhar em um quadro e também não funcionou, C . parecia entediada e desconfiada. Após pedir à mãe para que se retirasse, resolvi inverter os papéis, ou seja, eu iria falar um pouco de minha história para C ., desenhando em um pedaço de papel com giz de cera. Comecei desenhando a casa onde nasci, nem cheguei a concluir o telhado, quando C . tomou de minha mão o giz e afolha, dizendo: “agora eu é que vou desenhar a minha casa!” e o trabalho aconteceu, via esteticidade seletiva, pude desenvolver a historicidade de C . e montar sua estrutura de pensamento, utilizando uma ferramenta promissora, neste caso: uma folha em branco e um giz de cera!
A referencia do lugar da clínica, na interseção entre o filósofo clínico e seu partilhante, me parece fundamental, embora passe despercebida por muitos terapeutas. Alguns preferem atuar em consltórios, quando seus partilhantes, pela estruturação própria, gostariam de eleger uma praça, com muito verde, arvores e flores; em outros casos, alguns partilhantes gostam de caminhar, e o filósofo desmerece esta característica de seu parceiro de interseção. Este é um item, dentre tantos significativos para uma atividade clínica favorável ao partilhante. Esta atividade terapêutica que se inicia, se mantém ou se extingue, pelo caminho das variáveis da interseção.
O diálogo entre dois sujeitos pode ser uma terapia eficiente. Através do olhar, de um abraço generoso ou pelo som da voz do outro, se estabelece uma freqüência capaz de impulsionar o trabalho clínico, podendo ocorrer uma interseção significativa entre consciência, vontade e representação, expressos por este encontro.
Arthur Schopenhauer em seu texto “O mundo com vontade e representação”, destaca: “o objeto nada é além da representação do sujeito, assim também o sujeito, dissolvendo-se por inteiro no objeto observado, se torna ele próprio este objeto, na medida em que toda a consciência nada mais é além da imagem límpida deste”. Neste sentido, uma ferramenta eficaz para a viabilização clínica, possibilitando, através de si, a utilização de novos instrumentos clínicos, como o caso dos sonhos.
O ano era 1999, na cidade de Florianópolis/SC, encaminhada pelo colega Lúcio Packter, atendi L., uma moça de 16 anos, que chegou com um diagnóstico peculiar de seu oftalmologista: embora tivesse todas as condições clínicas para enxergar, estava cega!
Este foi o assunto, resumido, que a trouxe: uma reação somática a um evento específico. L., tinha ido à excursão da escola com um grupo de colegas, passar o dia numa praia próxima. Brincariam, jogaram e passearam bastante. Ao final do dia, quando os professores reuniam o grupo para o retorno, alguns meninos do lugar passam a apedrejar o ônibus em que L. estava junto com seus colegas, instalando-se um pânico generalizado. L. tenta sair pelo corredor do veiculo, tropeça, cai e é pisoteada pelos colegas e amigos. A partir deste momento, ainda no chão, L. não pode mais enxergar! Provavelmente, não quer ver mais nada, penso eu! Mas, por que? Quais os motivos? Qual a relação tópica desencadeante desta violente reação somática?
Historicidade apurada com encontros de 2 a 3 horas, e, o diagnóstico revela como significativos: como o mundo parece reforçado por pré-juízos em conflito com emoções subsidiadas pela axiologia, reforçados pelo papel existencial com desfecho somático.
Este caso assim se mostrou fenomenologicamente: “para L. o que importa nesta vida e o que faz este mundo legal, são os amigos e amigas que se pode ter, especialmente aqueles da escola, os mesmos que a pisotearam no ônibus! Para L. esta atitude era inacreditável! Ela não poderia odiar quem amava, amigos de praia, escola e diversão, que era o que valia a pena na sua cidade. Basicamente, esta estruturação era o dado atualizado de um padrão em sua vida, ou seja, ela considerava-se traída pela família por ser pobre e desconsiderada pelos pais, relacionando-se fortemente com uma tia e com os amigos, esforçando-se na manutenção desta amizade.
Além de uma interseção muito positiva, utilizei-me de alguns instrumentos clínicos (submodos), encontrados no mundo existencial de L., para, junto com ela, trabalhar a desconstrução que, eu acreditava, fariam L. voltar a ver, como: roterizar associado ao lado sensorial, combinados com percepção, mantendo-a inversiva e em recíproca de inversão através de deslocamento curtos. O leitor poderia perguntar: Mas como? Deslocamentos curtos? Sensorial? Ela não estava cega? Pois foi assim que ocorre. Mantendo L. em recíproca de inversão e inversão alternadamente, eu ia narrando a paisagem ao redor, alternando cores, propondo aromas, sugerindo toques nas arvores, em suas folhas,
Descrevendo o azul do céu, que para L., estava um tanto escuro, parecendo que ia chover. L. participou avidamente do roteiro, como se estivesse enxergando, inclusive descrevendo o tipo de flor que estava “vendo” e os aromas que sentia.
Mas, surpreendeu-me, quando utilizou-se de um sonho, para desconstruir sua elaboração somática, a qual impedia sua visão. Ela sonhou, na noite anterior ao nosso terceiro encontro, que estava caindo de um penhasco muito alto, e, precisava abrir os olhos para ver onde ia bater, enxergou pedras e muita água, ao se debater e rolar na cama, L. cai e acorda, abrindo os olhos e enxergando novamente. A euforia foi tanta, que correu para fora de casa, onde o sol muito forte a faz desmaiar.
A tia carrega L. para dentro de casa, e, aos poucos, faz com que L. recobre a consciência e a visão. Basicamente, L. realizou, via adição e deslocamentos, permanecendo inversiva, um roteiro com desfecho semelhante ao impacto que sofrera no passeio, uma queda para superar a outra, através de um sonho!
Espero que este pequeno texto, possa servir como uma proposta de diálogo, buscando no combustível das críticas e reflexões, alternativas e subsídios para aperfeiçoar a nossa filosofia que se faz clínica, bem como estimular e desenvolver a arte singular de cada um em ser humano.
Penso que, uma parte significativa da atividade terapêutica, como se desenvolve em meu compartilhar diário, não pode ser expressa por nossos, às vezes limitados dados de semiose, pois fazem parte do intangível, da subjetividade que surge como resultado de um encontro de subjetividades, da intuição, das singularidades que vão se desenvolvendo, de um ouvir e um dizer que falam para alem das pretensões da razão, por isto, me perdoem por não poder dizer mais.

Uma fonte extraordinária - Hélio Strassburger

ARTIGOS DE UM FILÓSOFO CLÍNICO
Uma fonte extraordinária
Hélio Strassburger


“Que distância percorrida desde as margens do Nada, desse Nada que nós fomos até esse alguém, por ridículo que seja, que reencontra o seu ser para além do sonho!”
Gaston Bachelard

Um viés de interseção entre expressividade e busca pode ser encontrado no cotidiano. Mesmo quando a pessoa faça referência a si mesma como lugar de realização, seus episódios existenciais podem ser desmerecidos e ilegíveis ao olhar sem noção de si mesmo.

A desorientação precursora, tratada pela adesão apressada a ideologia da sua tribo, costuma significar infindáveis labirintos a afastá-lo cada vez mais de seu eixo. O ambiente onde nasceu e sua família, onde aprendeu a ler e escrever, a escola e a igreja, já deformam autenticidades, ainda mais quando a criança começa a expressar contradições de aparente sem sentido. Daí logo surge alguém para ensinar os meios para renunciar os sonhos em razão da aceitação social.

O alcance da domesticação depende muito da singularidade e do contexto envolvidos. Lógicas de rebanho apreciam fundamentar rituais para desacreditar autonomias e deixar tudo como está. A noção de coerência institucional oferecida desde cedo, além de dificultar possibilidades de invenção e criatividade, também serve para enraizar sensações de deslocamento e impossibilidade de conhecer outras verdades. Assim a diferença é ameaça e passa a ser vista como marginal, um desajuste com o mundo considerado normal.

É possível viver uma vida inteira em desacordo consigo mesmo. Instantes de negação aos momentos de recém-descoberta. Os itinerários da originalidade pessoal podem seguir distorcidos, e viver como se fossem expectadores nos próprios eventos.

A busca pessoal pode seguir desfigurada ao tentar se adequar aos arranjos da conformação dominante. Um discurso bem acabado por onde se instituem as leis e o gesso aos propósitos de mudança. O significado de cada um passa a ser desmerecido, como se fosse inevitável viver assim.

Gilles Deleuze refere: “Só Dioniso, o artista criador, atinge a potência das metamorfoses que o faz devir, dando testemunho de uma vida que jorra; ele eleva a potência do falso a um grau que se efetua não mais na forma, porém na transformação – ‘virtude que dá’, ou criação de possibilidades de vida: transmutação.”

O bem estar representado pela verdade das cidades, aparece como algo a ser alcançado a qualquer preço. Endividados, devedores e credores se encontram culpados e a sustentar uma lógica das aparências. Um fascínio irresistível a acenar coisas cada vez mais distantes, onde o sujeito passa a ser objeto. Os dias se passam na ante-sala das promessas não cumpridas.

Ao discurso previsível da normalidade a busca pessoal dessemelhante surge como ilusão. Premonição inadequada e distante dos consensos estabelecidos na tribo. Para mostrar os dias como entregues a própria sorte, refere tudo ao redor como destituído de pontos de fuga.

O ser animado pela juventude e alegria dos recém-chegados na aldeia costuma permanecer multidão, vagar para longe de si e alimentar sensações de chegar a lugar algum. Para que o extraordinário aconteça, parece impreciso conjeturar esboços aos novos caminhos.

Ficar á deriva de si, para suportar momentos de transição pode ajudar a desintoxicar as ressonâncias históricas, por onde alguns fantasmas ainda sobrevivem. Na multiplicidade dos cotidianos papéis, muitos são os esboços para depois de amanhã. Quem sabe o imaginário possa encontrar outros nexos, na especulação dos rascunhos com as provisórias certezas. Talvez aí a história de cada pessoa possa deixar de ter autoria desconhecida.

Michel Maffesoli assim refere, sobre a natureza dos disfarces: “o sentido para a pessoa é fornecido pela pluralidade das máscaras que a constituem, e pelo contexto no qual suas diversas máscaras poderão expressar-se”.

Um lugar onde as miragens e a sensação de se mover em direção ao nada, sejam superados pelo olhar a desvendar subúrbios. A restrição intercalada nas crises de cada um, pode querer dizer coisas ainda sem nome ou referir exílios, quando os contornos inesperados começarem a surgir.

Quem sabe uma epistemologia mutante, consiga dialogar com o ímpeto de transformação calado pela ética dos consensos. Capaz de realizar as proezas e peculiaridades, reservadas a essa afinidade enigmática onde ser e não-ser passam a integrar uma coisa só.

Ao tentar desconstruir a idéia de que o melhor já foi feito, aumenta a suspeita de se encontrar a improvável arte de encantar a vida. Uma pluralidade perspectiva onde os subterfúgios de transgressão surgem em contraponto à rigidez de uma só versão.

Na dialética de Jorge Luis Borges: “o homem que se desloca modifica as formas que o circundam”. Assim a expressividade clandestina pode descobrir vias de acesso às novas linguagens e horizontes plurais, até então tidos como absurdos na ótica do bom senso.

O itinerário nômade ou de percurso desnorteado aprecia descrever inacreditáveis fenômenos. A busca por cultivar espíritos livres parece estar relacionada à contradição com os propósitos de ser um só. Presságios para alguém desacostumado com a procura pelos arredores de si mesmo.

Ao perseguir coisas de superfície é provável a verdade de cada qual seguir impronunciada.

Localizar episódios existenciais até então desarticulados, pode ajudar a intuição e o instinto encontrar novos rumos. Nos sucessivos enredos contidos entre o dizer e o fazer, os estilhaços da errância podem realizar façanhas consideradas fantasiosas e descobrir vontades ainda sem representação.

O apelo sedutor dos princípios de verdade costuma conter sofisticadas armadilhas, várias delas estimulam alguma forma de competição ou comparação com os demais. Nesse sentido, apostam na dificuldade em se descobrir as lógicas do imprevisível, ao sugerir sua incompreensão ou desatino. Ao vislumbrar as texturas do paraíso perdido, talvez seja possível encontrar a fonte de inspiração para o que vem depois.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

MODULO AVANÇADO EM FILOSOFIA CLÍNICA

MÓDULOS AVANÇADOS EM FILOSOFIA CLÍNICA

Aulas de Lúcio Packter, Hélio Strassburger e Mônica Aiub - julho, setembro e outubro.
Aulas de 09:00 às 17:00 hs. em um sábado de julho, setembro e outubro.

20 horas/aula

VAGAS LIMITADAS
Investimento: R$ 480,00 ou em três parcelas de R$ 160,00


PRÉ-INSCRIÇÕES ABERTAS:
filosofiaclinicabh@gmail.com
BELO HORIZONTE

sexta-feira, 23 de abril de 2010

IX ENCONTRO MINEIRO DE FILOSOFIA CLINICA - UBERLÂNDIA

Em Agosto / 2010 Uberlândia será a sede do "IX Encontro Mineiro de Filosofia Clínica - Acolher, colher, colher de pau... "

Modalidades:
-Inscrições para participação em minicurso R$ 10,00 para acadêmicos das Faculdade Católica de Uberlândia e Universidade Federalde Uberlândia - UFU (com direito a certificação)

-Inscrições para participação em todo evento R$ 70,00 até 10/08/2010. Após essa data R$ 80,00 (com direito a certificação)

-Para receber mais informações e a ficha de inscrição envie e-mail para: filosofiaclinicauberlandia@yahoo.com.br


PROGRAMAÇÃO:

Dia 27 de agosto de 2010 - Sexta feira:

9:00 - Minicurso: o que é filosofia clínica?
. Prof. Lúcio Packter (sistematizador da Filosofia Clínica)
Local: Faculdade Católica de Uberlândia (Anfiteatro)

14:00 - Minicurso: o que é filosofia clínica?
. Prof. Lúcio Packter (sistematizador da Filosofia Clínica)
Local: Universidade Federal de Uberlândia (Anfiteatro bloco 5 O)

19:00 – Abertura oficial do evento
Local: Anfiteatro do bloco 5 O (Campus Santa Monica – UFU)
. Prof. Lúcio Packter – sistematizador da Filosofia Clínica
. Prof. Hélio Strassburger – diretor do Instituto Packter (a confirmar)
. Prof. Dr. Gilzane Silva Naves - Faculdade Católica de Uberlândia
. Profa. Neiva Maria Alexandre Lopes – Instituto de Filosofia Clínica de Uberlândia e Região
. Prof. Márcio José Andrade da Silva – Associação Nacional de Filósofos Clínicos- ANFIC

21:00 – Confraternização
Coquetel na ante sala do Anfiteatro do bloco 5 O - UFU


Dia 28 de agosto de 2010 - Sábado
Local: Anfiteatro do bloco 5 O (Campus Santa Monica – UFU)

8:00 – Recepção aos participantes e credenciamento

9:00 – Mesa redonda: Vivência e convivência entre a Filosofia, Filosofia da mente, a Filosofia Clínica e as Filosofias de Aconselhamento.

. Prof. Dr. José Maurício de Carvalho – Universidade Federal de São João del-Rei UFSJ;
. Profa. Dra. Geórgia Amitrano – Universidade Federal de Uberlândia – UFU (a confirmar);
. Prof. Dr. Gilzane Silva Naves - Faculdade Católica de Uberlândia;
. Filósofo Clínico Prof. Sebastião Soares – Instituto Mineiro de Filosofia Clínica – BH (a confirmar).

11:00 – Intervalo
Coffe break – sorteio de brindes

11:30 – Palestra: Fundamentação Teórica da Filosofia Clínica
. Prof. Lúcio Packter - sistematizador da Filosofia Clínica

12:30 - Almoço

14:30 - Palestra: Temporalidade, o homem como projeto.
. Prof. Dr. José Mauricio de Carvalho – Universidade Federal de São João Del-Rei - UFSJ

15:30 – Intervalo
Coffe break – sorteio de brindes

16:00 – Apresentação de Posters
(os autores dos trabalhos deverão ficar a disposição do público neste horário)

16:30 – Palestra: A importância do conhecimento da Filosofia da mente e da Neurociência na formação de terapeutas
. Filósofa Clínica Profa. Ms. Monica Auib Monteiro - Instituto Interseção/SP

17:30 - Prática Clínica: A utilização da Filosofia Clínica juntamente com outras práticas terapêuticas
Palestrantes convidados
Obs: cada participante terá entre 10 e 20 minutos para exposição de seu tema

19:00 – Palestra: Filosofia Clínica em instituições psiquiátricas
. Filósofo Clínico - Prof. Hélio Strassburger – Diretor do Instituto Packter – RS (a confirmar) ;

20:00 – Noite de autógrafos e Lançamento de livros

Dia 29 de agosto de 2010 - Domingo
9:00 – Compartilhando Experiências: Relatos de Atendimentos de Filósofos Clínicos; Centros e Institutos - funcionamento, atuação, projetos etc.
. Centro de Filosofia Clínica de São João Del-Rei – Profa. Silvana Cantelmo Agostini
. Instituto Mineiro de Filosofia Clínica – BH – Filósofo Clínico Prof. Sebastião Soares da Silva
. Instituto de Filosofia Clínica de Uberlândia e Região – Profa. Marta Claus
. Centro de Filosofia Clínica de Juiz de Fora – (a confirmar)
. Centro de Filosofia Clínica de Lavras – Prof. Dirceu Carvalho
. Centro de Filosofia Clínica de Poços de Caldas – Profa. Izabel Cristina Pereira
. Associação Mineira de Filosofia Clínica – Profa. Andréa Boari
. Associação Nacional de Filosofia Clínica – Prof. Marcio José Andrade da Silva
Obs: (cada participante terá cerca de 15 minutos para sua exposição)

11:00 – Intervalo
Coffe break – sorteio de brindes

11:30 – Escolha da cidade sede do X Encontro Mineiro de Filosofia Clínica

12:00 – Encerramento
Entrega de certificados

Filosofia Clínica: o que é isto? - Mônica Aiub

Resumo:
Questões existenciais, problemas com relacionamentos, angústias, dificuldades na vida são motivos que levam várias pessoas a procurar um filósofo clínico. Essa atividade, ao mesmo tempo antiga – pois data da origem da filosofia o cuidado da alma – e nova – pois se apresenta como um novo paradigma surgido para responder às necessidades contemporâneas do ser humano, tem gerado muita polêmica tanto no meio acadêmico como entre as psicoterapias. De que se trata, afinal, a Filosofia Clínica?
Uma breve apresentação de seus fundamentos, origens e instrumental, assim como sua íntima relação com questões éticas é o objeto do artigo: Filosofia Clínica: o que é isto?

Há momentos na vida em que não conseguimos organizar nossas idéias, nos encontramos como que absorvidos pelos problemas, sem um distanciamento suficiente para compreendê-los. Em outras situações, as dificuldades diante de uma escolha, de uma tomada de decisão, de uma ação necessária parecem ser um entrave intransponível, e ao mesmo tempo, insuportável. Questões existenciais que geram sofrimentos, angústias, medos incontroláveis. Momentos difíceis, onde viver parece uma eterna luta, uma guerra diária consigo mesmo. Momentos em que o outro é nosso inferno, não é capaz de compreensão, sua presença é significada como cobrança e sua ausência como rejeição ou indiferença. Relacionamentos difíceis no trabalho, emoções conturbadas, problemas com a família, com a casa, com as contas, com a sobrevivência, com o espelho. Situações difíceis, onde os caminhos escapam, onde reina a confusão.

Sentimos necessidade de ajuda para organizar as idéias, mas os amigos parecem mais confusos e perdidos que nós. Aqueles com os quais convivemos parecem não ter ouvidos ou ter soluções excelentes para eles, mas péssimas para nós.

Em situações como essas e outras, precisamos de ajuda. Que bom seria encontrar um amigo disposto a ouvir, que não nos interrompesse para mostrar que suas feridas são maiores que as nossas, que o nosso sofrimento é nada diante da desgraça do mundo. Um amigo capaz de acolher e ouvir, sem de imediato dizer que estamos errados, que a vida não é assim, que sonhamos demais, que pensamos demais, que escolhemos demais, que trabalhamos demais, que somos demasiadamente tortos, rudes, loucos, insanos, insensatos, insensíveis; que falta-nos vontade, razão, sensibilidade, exatidão, loucura também; que estamos errados, que somos mesquinhos, que o caminho certo é outro... Tantos e quantos julgamentos e observações que recebemos e nada, nada adianta para tirar-nos de nosso poço interminável de sofrimento.

Pessoas em situações como essas têm procurado ajuda nos consultórios de Filosofia Clínica. Ajuda-ao-outro: essa é a tarefa da atividade intitulada Filosofia Clínica. Entre as atividades de ajuda-ao-outro, a Filosofia Clínica destaca-se por não trabalhar com teorias prévias, tipologias ou conceitos de normalidade. O homem é a medida de todas as coisas, e como medida, aquele que procura ajuda é quem determina de que maneira poderá ser auxiliado. Pensar junto com o outro é o mote do filósofo clínico, norteado pelo respeito a seu modo de ser, as suas escolhas.

O que busca ajuda é chamado partilhante porque é aquele que partilha, que toma parte em, que participa ativamente de todo o processo clínico, compartilhando sua vida e suas questões com o filósofo clínico. Por sua vez, o filósofo clínico acolherá o partilhante e suas questões e partilhará com ele o conhecimento produzido pela filosofia, auxiliando-o a refletir sobre suas questões e dificuldades, a levantar e estudar possibilidades, a definir, construir e percorrer caminhos. Não se trata de teorizar sobre o sofrimento alheio, mas de auxiliar o outro a lidar com suas questões, diante das circunstâncias e possibilidades existentes.

A idéia de colocar a reflexão filosófica a serviço da atividade de ajuda-ao-outro não é novidade. Desde os primeiros momentos, a filosofia cumpre o papel de refletir sobre as questões cotidianas, de pensar a vida, a existência e a natureza para aperfeiçoá-las e gerar benefícios à humanidade. Desde os primórdios, cumpre o papel de cuidar da alma (Platão, 2002), buscando, a partir da reflexão, o equilíbrio interno entre ser, pensar e agir; o desenvolvimento da virtude da alma e a conseqüente saúde integral – alma, corpo, sociedade e natureza.

Na década de 80, o papel terapêutico da filosofia é resgatado por um movimento denominado filosofia prática (Achenbach, 1989), com vistas à construção de uma atividade de ajuda-ao-outro, partindo do questionamento: se a psiquiatria e a psicologia utilizam a filosofia em seus métodos, por que um filósofo não poderia utilizara metodologia própria da filosofia para ajudar as pessoas em suas questões cotidianas? O filósofo assume a função de cuidador, investido do conhecimento produzido em toda a história da filosofia. “De fato, o primeiro ‘consultório de filosofia’ foi aberto na Alemanha em 1981 e, ao que parece, existe hoje uma centena deles no mundo” (Sautet, 1999). Nomes como Gerd B. Achenbach(1989), Marc Sautet (1999) e Lou Marinof (2001) são mundialmente conhecidos por desenvolverem, de maneiras diferentes, a atividade de cuidadores, fundamentados na filosofia.

Achenbach propôs um método de entrevistas particulares ao longo das quais a filosofia recuperou seu direito de cidadania. Condição sine qua non: não sobrecarregar o discurso de conceitos inacessíveis aos comuns mortais e não desprezar o bom senso; deixar surgir a experiência pessoal, até favorecendo sua evocação, e incentivar o ‘cliente’ a se aventurar por terras desconhecidas, utilizando ao máximo a linguagem que lhe é familiar. O que equivale a dizer que, nessas entrevistas, o filósofo escuta mais do que fala e só introduz referências para fazer seu interlocutor progredir em seu próprio ritmo. (Sautet, 1999, p. 59)

No Brasil, o filósofo gaúcho Lúcio Packter (1997), inspirado na filosofia prática, criou um instrumental específico, próprio, adequado à realidade brasileira, diferente dos trabalhosdos filósofos já citados. Packter apropria-se do conhecimento filosófico de maneira seletiva, e utiliza-o para a atividade de ajuda-ao-outro, desenvolvendo o trabalho que nomeou FilosofiaClínica.
Após conhecer o trabalho de aconselhamento filosófico desenvolvido na Holanda, em Amsterdã, completamente diferente do que viria a criar mais tarde,Packter começou a pensar na possibilidade de uma clínica filosófica. De volta ao Brasil, ainda na década de 80, iniciou suas pesquisas em Santa Catarina, coletando dados, entrevistando pessoas, pesquisando, nos textos de filosofia, as possibilidades para auxiliá-las. Entre erros e acertos, uniu os dados dos relatos coletados aos estudos dos textos filosóficos, encontrando formas para compreender e auxiliar as pessoas. Depois de muitos testes, pesquisas teóricase práticas, organizou um instrumental flexível, possível de ser adaptado às necessidades de diferentes pessoas, mas que possui um grau de segurança capaz de fornecer informações suficientes para o filósofo clínico auxiliar as pessoas sem direcionar suas vidas e escolhas.

Respeito à singularidade, ao modo de ser, agir e pensar do partilhante é a característica essencial desse trabalho, que surge para atender as necessidades existenciais criadas e desenvolvidas pelo ser humano no decorrer de sua história. Diante das crises contemporâneas, da insuficiência de respostas, das carências humanas e existenciais cada vez mais presentes e significativas, a Filosofia Clínica coloca-se como um novo paradigma, tentando conciliar a tarefa do filosofar com a possibilidade de ajuda-ao-outro, construindo uma terapêutica centrada na singularidade, no respeito ao universo e ao modo de ser de cada partilhante. O filósofo clínico é um profissional apto a pensar junto com a pessoa, sem interferir em suas decisões, auxiliando-a a refletir sobre si mesma e sobre o mundo que a rodeia, sobre opções e possibilidades para lidar com as questões cotidianas, respeitando seus valores, sentimentos, necessidades e escolhas.

Não se trata de um mero aconselhamento pautado em referenciais filosóficos, colocando em risco a vida das pessoas. Há uma série de procedimentos clínicos, estruturados de modo a permitir a identificação de sinais e sintomas que indiquem a necessidade de um trabalho interdisplinar, pois apesar de ser a mãe das ciências, a filosofia admite os limites e as especificidades de cada área do conhecimento e, por isso, o filósofo clínico não se habilita a trabalhar todo e qualquer problema. Há problemas de ordem orgânica, química, que precisam ser tratados com medicamentos. Há situações em que o instrumental da Filosofia Clínica não possui elementos adequados para o trabalho. Conferidas essas possibilidades, o filósofo clínico encaminha – mesmo que por precaução, para mera exclusão de possibilidades, ou ainda para um trabalho interdisciplinar – o partilhante para um profissional competente naquela área de atuação.

Quem é esse outro que procura o auxílio do filósofo clínico? A princípio não há como saber. Em que é possível ajudá-lo? O que ele busca? O que lhe aflige? Diante das inúmeras possibilidades de resposta, não há como responder previamente a nenhuma questão. O primeiro passo é tomar parte, partilhar as questões, o universo, os modos de ser, estar, pensar e agir do partilhante. O ponto de partida é o sei que nada sei, de tudo quanto sei socrático. Como o filósofo clínico nada sabe sobre aquele que o procura, sua postura diante do outro é de busca desse conhecer e, para tal, deve permitir o mostrar-se do partilhante.

Como cada partilhante é um universo a ser conhecido, o filósofo clínico acolhe esse universo com a escuta atenta, suspendendo seus juízos prévios, suas próprias concepções de mundo, seu próprio universo, para aproximar-se ao máximo do universo do partilhante, assumindo a postura do amigo que acolhe, ouve, mas não julga, não interpreta ou avalia, apenas contextualiza, tentando compreender a gênese da situação, o que se passa e como auxiliá-lo em suas necessidades.

Gadamer (1997) mostra-nos que para compreender um texto é preciso deixar que ele diga alguma coisa por si, posicionar-se de maneira receptiva a sua alteridade, o que não significa neutralidade ou auto-anulamento. A abertura para o outro não supõe uma dissolução de si mesmo, um deixar-se absorver, mas um conhecimento daquilo que se é, de suas próprias opiniões prévias e preconceitos. Quanto maior a consciência de seus referenciais, maior a possibilidade de estabelecer a alteridade, de enxergar o outro tal qual se apresenta, sem se permitir ser guiado por pré-juízos, mas sem ser absorvido pelo outro.

Para possibilitar essa abertura para o outro na clínica, durante o processo de formação, o filósofo clínico submete-se a um procedimento denominado Clínica Didática ou Pré-Estágio. Esse procedimento consiste em passar por todo o processo clínico como um partilhante, ou seja, submeter-se à clínica, com o objetivo múltiplo de conhecer seus referenciais, suas concepções prévias, seus pré-juízos, de conhecer a si mesmo a partir do instrumental filosófico-clínico e, principalmente, de vivenciar esse instrumental, para avaliar,a partir da própria vivência, as possibilidades e resultados de todo o processo. Esse procedimento é também denominado Pré-Estágio por ser requisito prévio para iniciar os estágios – atendimentos supervisionados, também necessários à formação. Após o processo de formação, a manutenção da clínica é uma necessidade, não apenas como atualização da consciência desses referenciais, mas como profilaxia para o profissional.

A princípio, a postura do filósofo clínico é de escuta atenta. Ouvir interferindo o mínimo possível, acolhendo, acompanhando atentamente. Não se trata da postura neutra de um cientista que observa uma experiência provocada e controlada externamente. A simples presença é uma interferência, o encaminhamento dos procedimentos, mais ainda. Há interação, encontro desses universos como conjuntos que estabelecem interseções. Há atenção e cuidado que se fazem explícitos no decorrer dos trabalhos.

Dentro das especificidades filosófico-clínicas, há exames iniciais que permitem um conhecimento das questões, do universo, do modo de ser, estar, pensar e agir, das necessidades do partilhante. Esse instrumental da Filosofia Clínica divide-se em três eixos centrais:
Exames Categoriais, Estrutura de Pensamento e Submodos.

Os Exames Categoriais são exames iniciais, consistem em conhecer o universo no qual o partilhante está inserido: seu contexto social, político, econômico, cultural, educacional, familiar, suas relações, como lida com o tempo, com o próprio corpo, com o ambiente, com suas idéias, onde mora, em que trabalha, o que estuda, o que viveu, etc.

A Estrutura de Pensamento fornece o modo como essa pessoa se estruturou a partir das vivências de seu universo. São trinta tópicos que abordam esse modo de ser, considerando desde sua visão de mundo, até suas emoções, sua expressividade, seus valores, a religiosidade, seus papéis existenciais, seus meios de expressão. Não se trata de uma abordagem puramente racional, a Estrutura de Pensamento é muito mais ampla, abrangendo o modo deser em devir e em múltiplas dimensões de cada partilhante em especial. A divisão em tantos tópicos pode sugerir a idéia de um processo exaustivo de análise em detrimento da síntese. Mas não é esse o procedimento. A síntese é o objetivo, considerando uma leitura da determinância dos tópicos, das relações intra e inter tópicos, o todo é maior do que as partes; o partilhante, em seu universo, é o todo.

Os Submodos – intervenções clínicas, dividem-se em dois momentos: a observação dos Submodos Informais e sua utilização como procedimentos clínicos. Como Submodos Informais são verificadas, no partilhante, as maneiras habituais de lidar com suas questões. Nessas maneiras o filósofo clínico observa: pertinência, relevância, eficácia e aplicabilidade a outras situações. Como procedimentos clínicos, os Submodos são maneiras, modos subordinados à Estrutura de Pensamento, aos Exames Categoriais e aos Submodos Informais, isto é, só fazem sentido e somente podem ser utilizados se estiverem de acordo com o que foi estudado e observado anteriormente nos outros eixos, em outras palavras, se forem pertinentes às condições, às necessidades e ao modo de ser do partilhante.

Para o estudo e observação desses três eixos fundamentais, o filósofo clínico utiliza a história de vida do partilhante. Considerando que o ser humano se constrói, torna-se o que é, a partir de suas vivências, a história do partilhante, contada por ele mesmo, oferecerá dados acerca de seu universo, da gênese de suas questões, de seus modos de ser e de agir.

O partilhante chega ao consultório para uma primeira consulta. A conversa inicial é sobre o Assunto Imediato, ou seja, a queixa, o que incomoda, o que moveu o partilhante a procurar ajuda. A queixa inicial pode ser apenas a ponta de um iceberg, não ser a questão que necessitará ser trabalhada, mas merece acolhimento, atenção, além de servir como um modo de aproximação, como forma de estabelecer a Interseção. O filósofo clínico poderá perguntar sobre o contexto da questão apresentada, pedir mais detalhes, para compreender o que se passa. A seguir, explicará ao partilhante os procedimentos clínicos, com mais ou menos detalhes, de acordo com o interesse do mesmo.

O conceito de Interseção, em Filosofia Clínica, tem sua origem na Teoria dos Conjuntos (Cantor), onde a interseção entre conjuntos equivale aos elementos comuns entre eles. Em clínica, filósofo clínico e partilhante são os universos, os conjuntos, em interseção. A Interseção não é medida pela quantidade de elementos comuns, mas pela qualidade estabelecida na relação. Relação esta que se estabelece tanto por dados verbais como por dados não verbais: gestos, olhares, expressões, posturas, etc. Apesar de iniciada no primeiro contato, uma Interseção é construída a cada consulta, podendo tornar-se mais ou menos consistente no decorrer dos trabalhos, e definir-se como: positiva – subjetivamente boa para ambos; negativa –subjetivamente ruim; confusa – as pessoas envolvidas não sabem determinar o que vivenciam; ou indefinida – oscila com freqüência, impedindo uma definição.

Após a conversa sobre o Assunto Imediato, o partilhante preencherá uma ficha clínica que contém dados sobre o partilhante, termo de esclarecimento e consentimento para o trabalho clínico. Caso trate-se de um partilhante que se encontre em acompanhamento psiquiátrico ou neurológico, o filósofo clínico informará sobre a necessidade de um trabalho interdisciplinar e entrará em contato com o médico responsável para estabelecer a interdisciplinaridade.
O próximo passo consiste em colher o histórico do partilhante, contado por ele mesmo, cronologicamente e em detalhes. Esse histórico servirá de fonte para a obtenção de dados sobre os três eixos fundamentais: Exames Categoriais, Estrutura de Pensamento e Submodos.

Enquanto o partilhante conta sua história, o filósofo clínico limita-se a interferências mínimas, apenas para permitir a Interseção, pedindo continuidade, levando a pessoa a retomar o curso de sua história em caso de saltos lógicos ou temporais. Essas interferências mínimas são denominadas Agendamentos Mínimos.Cabe ao filósofo clínico controlar sua curiosidade, suspender seus pré-juízos,a fim de evitar distorções, interpretações equivocadas, mal entendidos. Por esse motivo, a postura adequada é calar, ouvir e contextualizar o histórico do partilhante, lendo-o a partir do instrumental filosófico-clínico.

Obviamente, dificuldades nesse contar a história podem surgir: o partilhante pode considerar irrelevante falar sobre sua história de vida quando seu sofrimento encontra-se no momento presente, não se sentir à vontade para expor dados e detalhes de suas vivências, ter passado por experiências traumáticas e não querer revivê-las, entre outras possibilidades. Nessas situações, cabe ao filósofo clínico ouvir, acolher, mostrar a necessidade dos dados para um subseqüente trabalho, explicitar que não se tratam de lembranças traumáticas, mas de todas as vivências, contextos e dados do cotidiano.

Se o partilhante tiver dificuldade em contar um período de sua história, pode-se deixá-lo para depois, afinal, nos primeiros momentos da clínica, o filósofo clínico é um estranho para o qual o partilhante deve contar dados que muitas vezes são difíceis de expor, pode faltar confiança, pode ter medo de ser julgado, pode sofrer com as lembranças. O filósofo clínico compreende essas e outras dificuldades, por isso permitirá flexibilidade para que o partilhante conte sua história, entendendo que ele poderá, inicialmente, omitir dados, distorcê-los, mentir, inventar, entre outras coisas. Ainda assim, os dados inventados, distorcidos, o são a partir de referenciais do partilhante. Sua Estrutura de Pensamento desvenda-se ainda que o histórico contenha distorções. Além disso, na medida em que a Interseção se estabelece e que os outros procedimentos clínicos são efetivados, novos dados surgem, outros são corrigidos. Os procedimentos seguintes: Divisão e Enraizamentos, auxiliam nesse processo.

Há casos em que a dificuldade consiste em falar. A pessoa não consegue contar a história. Nesses casos, o filósofo clínico pesquisará se o partilhante possui outros dados de Semiose – veículos de expressão como fotos, textos, poemas, pintura, música, desenhos, gestos, expressões faciais, posturas corporais, enfim, instrumentos que auxiliem nesse processo. Esses instrumentos podem ser utilizados não apenas em casos de dificuldades, mas sempre que existirem e puderem propiciar acesso a dados não oferecidos pela fala. Esses dados serão contextualizados na história do partilhante e significados por ele.

Chegando ao momento presente, o filósofo clínico dividirá o histórico do partilhante em partes, pedindo que reconte, parte a parte, com mais detalhes, novos dados. Há casos em que o partilhante corrige: “Da outra vez contei que isso havia ocorrido assim, mas não foi bem assim. Depois lembrei melhor, o que ocorreu foi o seguinte:...”, ou ainda: “Quando contei na outra consulta, eu realmente pensava que ele não me amava, mas depois que lhe contei, fiquei pensando em nosso cotidiano, em tudo o que fez por mim... isso é amor, ele me amou, e muito.” , em outras situações: “Na primeira consulta, fiquei com vergonha de lhe contar, não sabia o que pensaria a respeito, como julgaria. Agora já tenho confiança, posso contar e sei que você não vai me recriminar por isso...” . Falas como essas são muito comuns em clínica.

A Divisão não serve apenas para essas correções, mas principalmente para a aquisição de mais dados, pois ao contar a história, o partilhante poderá optar por uma linha de raciocínio, deixando de lado muitos outros elementos vividos. O procedimento divisório é repetido inúmeras vezes, até que não surjam novos dados.

Terminada a Divisão é o momento dos Enraizamentos. Trata-se de um processo epistemológico para pesquisar o conteúdo de termos, estabelecer relações, testar hipóteses clínicas. Nesse momento são feitas perguntas específicas sobre dados colhidos no histórico do partilhante. Até esse momento o filósofo clínico somente acompanhou a história, mantendo o partilhante no curso dela; dividiu-a em períodos determinados pelos dados colhidos no histórico e pediu que recontasse cada período. Neste momento, todas as dúvidas relativas ao histórico, questões ou termos que não estejam claros eque possuam pertinência clínica, ou seja, estejam vinculados às questões do partilhante, poderão ser esclarecidos.

Enquanto encaminha esses procedimentos, o filósofo clínico observará os três eixos fundamentais: Exames Categoriais, Estrutura de Pensamento e Submodos Informais, atualizando os dados a cada consulta. Com dados suficientes para compreender o universo do partilhante: seu modo de ser –considerando que esse modo de ser dá-se em devir, ou seja, está em constante movimento e, portanto, precisa de constante atualização; suas maneiras de responder às situações; localizado o Assunto Último, isto é, a questão a ser trabalhada, de fato, em clínica, o filósofo clínico preparará um Planejamento Clínico, analisando possíveis maneiras de auxiliar o partilhante. Esse planejamento inclui a leitura do todo da Estrutura de Pensamento: se há choques intra ou inter tópicos, quais são os tópicos determinantes, os permeáveis, os flexíveis, os estruturais; quais as possibilidades para trabalhar os choques; que modificações são possíveis e necessárias ao partilhante e quais as suas conseqüências. Juntamente a um conhecimento acerca dos contextos e das possibilidades concretas existentes nesses contextos.

O conhecimento da linguagem usual desse partilhante também é imprescindível, visto que partimos da premissa de Wittgenstein (1975) que a linguagem é um jogo e o significado das palavras está em seu uso. O filósofo clínico, durante a colheita de dados, pesquisa o jogo de linguagem do partilhante, e utiliza, para os procedimentos clínicos, esse mesmo jogo, para que as palavras tenham um significado unívoco, para que os objetivos clínicos não se percam numa linguagem incompreensível ao partilhante.

Considerando que o partilhante não para sua vida durante os procedimentos clínicos, faz-se necessária, a cada consulta, uma atualização, pois eventos, fatos ocorridos entre uma consulta e outra, podem modificar dados extremamente significativos, invalidando o uso de alguns Submodos, ou ainda, modificando significados de questões ou relações. Assim, os primeiros momentos da consulta são destinados a essa atualização, onde o filósofo clínico pergunta sobre a semana, sobre como estão as coisas. Em alguns casos essas perguntas geram um processo de Esteticidade – explosão, catarse. Nesses casos, o filósofo clínico permite esse processo, deixando o partilhante desabafar sobre o fato ou situação que o incomoda. Há casos em que a necessidade de tal desabafo é tamanha que uma consulta é insuficiente para tal. Mas o filósofo clínico deve cuidar para que as consultas não se tornem constantes esteticidades, o que impediria a colheita de dados para o trabalho.

Uma vez organizado o Planejamento Clínico, o passo seguinte é a aplicação de Submodos. Esses procedimentos, totalmente subordinados aos Exames Categoriais, Estrutura de Pensamento e Submodos Informais, são aplicados e é acompanhado o resultado. Há casos em que oresultado é imediato, mas essa não é a regra. Em geral, faz-se necessário o acompanhamento por um período, variável de acordo com a complexidade das questões e as possibilidades clínicas do partilhante, até que a pessoa alcance o bem-estar subjetivo.

Entende-se aqui bem-estar subjetivo por bem-estar para o partilhante. Se ele sentir-se bem com os resultados da clínica, o objetivo foi atingido. Parte-se então, para o término do processo, que assimcomo todo o seu decorrer, dependerá do partilhante. Há pessoas que, atingindo esse ponto agradecem e despendem-se, há outras que precisam trabalhar esse término, tornando as consultas esparsas, outros necessitam que o filósofo clínico informe o término do trabalho. Isso também será encaminhado de acordo com os dados pesquisados.

Os procedimentos aqui descritos são flexíveis, adaptáveis às necessidades de cada partilhante. Não existem, em Filosofia Clínica, procedimentos clínicos pré-determinados, aplicáveis a quaisquer casos, ou a determinados tipos. Apesar de termos uma lista com 32 Submodos, esses são mesclados, formando muitos outros. Não se trata de um processo de construção de tipos: para perfis “x”, Submodos “y”. Os procedimentos são exclusivos para cada partilhante, criados para cada caso em especial. Cada partilhante é um novo caso, um novo universo, que necessitará de novos procedimentos, criados para atender às suas necessidades.
Diante da exposição desse instrumental o leitor deve estar se perguntando: onde está a filosofia em tudo isso?
Em primeiro lugar na postura do filósofo clínico, que se dispõe a pensar junto com o partilhante, que usa o conhecimento em benefício do humano, que se posiciona como um constante pesquisador, em busca incessante de ampliação de seu conhecimento sobre as questões da vida, utilizando-o para o cuidado do outro.
Em segundo, toda metodologia utilizada na Filosofia Clínica é construída a partir de métodos filosóficos: Histórico, quando considera que o partilhante se constrói a partir de sua história e toma-a como ponto de partida para os exames iniciais; Fenomenológico, assumindo a postura de suspensão de juízos, considerando os dados literalmente, conforme são descritos pelo partilhante, atendo-se a Agendamentos Mínimos nos momentos iniciais da clínica; Empírico, quando considera a necessidade do conhecimentodo universo circunstancial do partilhante para levantar hipóteses realizáveis na realidade existente, quando valoriza dados sensoriais como fonte do conhecimento; Lógico e Analítico, ao dedicar-se ao estudo e pesquisa dos significados e das estruturas da linguagem do partilhante, analisando-a não apenas sob o aspecto lógico formal, como também acerca das possíveis análises estruturais, sintáticas e semânticas; Epistemológico, pesquisando a gênese das questões, dos processos de construção de conhecimento atuais e possíveis, disponíveis ao partilhante.

Mas como é possível unir metodologias tão distantes como, por exemplo, Fenomenologia e Filosofia Analítica? É feito um recorte epistemológico que tem como critério fundamental as necessidades clínicas, tal recorte apresenta possíveis poros para o estabelecimento de interseções, aproximando diferentes metodologias.

Além disso, cada Categoria, Tópico da Estrutura de Pensamento e Submodo tem sua fundamentação em um filósofo ou escola filosófica, ou seja, todo o instrumental, considerando-se postura, metodologias, Categorias, Tópicos e Submodos, possui fundamentação na filosofia acadêmica.

Não se trata de priorizar uma escola filosófica em detrimento da outra, mas de possibilitar a interseção entre elas, selecionando o que for necessário ao partilhante. Não são as preferências do filósofo clínico que contam para a construção do trabalho, mas as necessidades do partilhante. Assim, não há filósofos clínicos com orientação kantiana, existencialista, aristotélica, platônica, humana, schopenhaueriana, nietzscheniana, etc. Há um instrumental construído com a contribuição de inúmeros pensadores. O que desse instrumental será utilizado em cada caso, depende do que for encontrado na pesquisa dos Exames Categoriais, Estrutura dePensamento e Submodos Informais de cada partilhante.

Assim, independentemente do filósofo clínico identificar-se com um autor, com um Tópico ou com um Submodo, o trabalho será direcionado pelo partilhante, não pela identificação deste com uma ou outra escola filosófica, mas pelo que apresenta em seu contexto, em seus modos deser.
Também não é o caso de discutir textos filosóficos com o partilhante, exceto se esse for um dado constante em sua Estrutura de Pensamento. Os textos filosóficos servem de fundamentação ao trabalho do filósofo clínico. As questões do partilhante serão discutidas dentro de seu jogo de linguagem, ou seja, utilizando termos compreensíveis e adequados a sua construção lingüística.
Por sua constituição, por ter como objetivo principal o bem-estar subjetivo do partilhante, sem desconsiderar que ele está inserido em um universo concreto, coexistindo com outros e, portanto, é responsável por suas escolhas e ações, assim como por suas conseqüências no todo desse universo; por não partir de um conceito de normalidade pré-determinado, por um padrão pré-estabelecido, por fundamentar-se, principalmente, no respeito ao outro, a Filosofia Clínica é uma atividade essencialmente Ética.

O conceito de normalidade, conforme demonstrado por Foucault (1994,1998, 2000), varia de acordo com a época, a cultura, os interesses sociais. Assim sendo, o que é considerado patológico numa determinada sociedade pode ser virtuoso em outra, o que foi considerado anormal em outra época pode ser, não somente aceitável como recomendável hoje. Muitos dos que foram considerados loucos em suas épocas, perseguidos, excluídos, hoje são tidos como gênios, grandes mestres. Assim, se o filósofo clínico assume, de fato, a máxima socrática sei que nada sei, se assume a postura filosófica daquele que busca constantemente o conhecimento, e não o do que detém o saber, visto ser impossível a nossos limites de humanidade detê-lo, não assumirá a postura daquele que impõe verdades ao outro, daquele que detém o saber e portanto indica o caminho certo, o caminho do bem.

Será sim, aquele que questiona, que interroga, que provoca o pensar. Mas também o que acolhe e que, principalmente, compreende que existem diferentes modos de ser. Que um modo de ser não é, em si, melhor ou pior que outro. Que um modo de ser pode ser mais adequado a um determinado contexto, pode ter sido estabelecido momentaneamente como uma necessidade, mas, principalmente, que a escolha por um modo de ser no mundo cabe a cada um de nós, e que essa escolha traz consigo uma cadeia de conseqüências, que serão vividas por aquele que escolheu e pelos que o circundam, e, portanto , cabe ao partilhante a decisão, sem eximir-se de sua responsabilidade diante de si mesmo e dos outros.

Considerando a Ética como uma atividade reflexiva e não normativa, que não supõe regras fixas e sim flexíveis, adequadas a cada situação em especial, que compreende o todo dos elementos envolvidos na situação, a aproximação entre Filosofia Clínica e Ética dá-se porque ambas necessitam dessa flexibilidade, dessa compreensão do todo e da inter-relação entre os elementos que o compõe, porque ambas são essencialmente reflexivas e, principalmente, porque é exigida do filósofo clínico a atitude ética diante do partilhante.

Em hipótese alguma o filósofo clínico pode direcionar as ações do partilhante fundamentado em valores ou escolhas pessoais. É inaceitável que desenvolva uma relação de dependência, tornando-se um orientador constante do partilhante, permitindo a atrofia de sua autonomia. Que se necessite de ajuda em situações difíceis é compreensível, mas que se mantenha a ajuda por toda a vida, inaceitável.

Caso encontre uma situação em que auxiliar o partilhante implique em afrontar seu próprio modo de ser, seus valores, a ponto de inviabilizar o trabalho, é indicado ao filósofo clínico encaminhar o partilhante a outro profissional, pois a relação filósofo clínico-partilhante não exige a abdicação de seu modo de ser, mas impede a imposição de um modo de ser ao outro. Pode-se questionar, pensar junto, avaliar possibilidades, mas nunca direcionar a vida do partilhante para caminhos que não sejam escolhidos por ele.

Respeito ao outro e a seus modos de ser, a suas escolhas. Ajuda ao outro, em Filosofia Clínica, não é sinônimo de oferecer um universo pronto a esse outro, e que não lhe pertence, transformando-o num outro eu, mas respeitar o seu universo, dispor-se a conhecê-lo e oferecer-lhe ajuda dentro das possibilidades encontradas nesse universo, ajudá-lo a acomodar, a transformar, a modificar, a aceitar, a transmutar, a conviver... ao que for a sua escolha, diante de suas necessidades e possibilidades.

Referências Bibliográficas:
ACHENBACH, Gerd B. Kurzgefaßte Beantwortung der Frage:Was ist Philosophische
Praxis? artigo "Praxis, Philosophische" por Odo Marquardt in "Historisches Wörterbuch der Philosophie", editado por Joachim Ritter et. al., Vol. VII,Basel 1989, pp.1307f.
AIUB, Monica. Para entender Filosofia Clínica: o apaixonante exercício do Filosofar. Rio de Janeiro: WAK, 2004.
FOUCAULT, Michel. Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000.
_____. Historia de la Locura en la Epoca Clásica.normal""> México: Fondo de Cultura Económica, 1998.
_____. O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994.
GADAMER, Hans-George. Verdade e Método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. São Paulo: Vozes, 1994.
MARINOF, Lou. Mais Platão, menos prozac. Rio de Janeiro: Record, 2001.
NUNES R.G.; PEDROSA, R. Dicionário de Filosofia Clínica. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2000.
PACKTER, Lúcio. Filosofia Clínica: propedêutica. Porto Alegre: AGE, 1997.
_____. Cadernos de Filosofia Clínica. Porto Alegre: Instituto Packter, s/d.
PAULO Margarida Nichele. Compêndio de Filosofia Clínica. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2001.
_____. (org.) Primeiros Passos em Filosofia Clínica. Porto Alegre: Imprensa Livre, 1999.
PLATÃO. Fedro. São Paulo: Martin Claret, 2002.
SAUTET, Marc. Um Café para Sócrates: como a filosofia pode ajudar a compreender o mundo de hoje. Rio de Janeiro: José Olympio,1999.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
Artigo Publicado na Revista Cadernos do Centro Universitário São Camilo. São Paulo. V.11 n. 1 p. 113-121. Jan-mar2005.
Categorias: Assunto Imediato e Último; Circunstância, Lugar, Tempo e Relação.
Estrutura de Pensamento: 1. Como o Mundo Parece; 2. O Que Acha de Si Mesmo; 3.Sensorial e Abstrato; 4. Emoções; 5. Pré-Juízos; 6. Termos Agendados noIntelecto; 7. Termos: Universal, Particular e Singular; 8. Termos: Unívoco eEquívoco; 9. Discurso: Completo e Incompleto; 10. Estruturação de Raciocínio;11. Busca; 12. Paixões Dominantes; 13. Comportamento e Função; 14.Espacialidade: Inversão, Recíproca de Inversão, Deslocamento Curto eDeslocamento Longo; 15. Semiose; 16. Significado; 17. Armadilha Conceitual; 18.Axiologia; 19. Tópico de Singularidade Existencial; 20. Epistemologia; 21.Expressividade; 22. Papel Existencial; 23. Ação; 24. Hipótese; 25.Experimentação; 26. Princípios de Verdade; 27. Análise da Estrutura; 28.Interseções entre Estruturas de Pensamento; 29. Matemática Simbólica; 30.Autogenia.
Submodos: 1. Em Direção ao Termo Singular; 2. Em Direção ao Termo Universal; 3.Em Direção às Sensações; 4. Em Direção às Idéias Complexas; 5. EsquemaResolutivo; 6. Em Direção ao Desfecho; 7. Inversão; 8. Recíproca de Inversão;9. Divisão; 10. Argumentação Derivada; 11. Atalho; 12. Busca; 13. DeslocamentoCurto; 14. Deslocamento Longo; 15. Adição; 16. Roteirizar; 17. Percepcionar;18. Esteticidade; 19. Esteticidade Seletiva; 20. Tradução; 21. InformaçãoDirigida; 22. Vice-Conceito; 23. Intuição; 24. Retroação; 25. IntencionalidadeDirigida; 26. Axiologia; 27. Autogenia; 28. Epistemologia; 29. Reconstrução;30. Análise Indireta; 31. Expressividade; 32. Princípios de Verdade.
Conforme Código de Ética do Filósofo Clínico disponível em http://www.filosofiaclinica.com.br

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Curso de Formação em Filosofia Clínica

Duração:
.. 18 meses – Especialização - Certificado B
.. 24 meses – Especialização Clínica - Certificado A*
*Conforme aprovação nos Estágios

Mensalidade:
R$ 160,00

Aulas em um final de semana de cada mês

Vagas limitadas

Pré–inscrição:
de 15/02 a 30/04/2010

Aula inaugural: dia 15 de maio de 2010


Maiores informações e inscrições:
.....
.....
Fones para contato: (31) 3224.0075 / 3386.2058

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A Filosofia Clínica

Apontamentos sobre Filosofia Clínica

A Filosofia Clínica consiste em um processo terapêutico desenvolvido pelo filósofo Lúcio Packter. É uma “arte” terapêutica que pode ser exercida por filósofos graduados e com certificado de especialização reconhecido pelo Instituto Packter. É uma terapia que se caracteriza por:

Usar o conhecimento da filosofia aplicado à terapia.

Aplicar a atividade filosófica à terapia do indivíduo.

Adaptar as teorias da filosofia às possibilidades do ser humano enquanto entificação que se realiza por si mesmo.

Conforme Lúcio Packter, a Filosofia Clínica “ tem uma concepção anômala na versão filosófica clínica: a vivência da circunstância relacional objetivando remeter às pessoas envolvidas diferentes opções às questões por elas propostas; isso, com base nos procedimentos filosóficos clínicos. Especificamente, o filósofo situa-se entre as amizades de quem partilha uma trajetória de vida tendo-se nisso a busca de opções ás problemáticas”. Segundo ele, nesse contexto não há preocupação com as curas medidas, pois, a terapia “localiza-se mais no âmbito da área educacional, enquanto filosofia”.

A Filosofia Clínica é indicada para as questões metapsicológicas, podendo ser aplicada simultaneamente a tratamentos médicos mentais como acompanhamento dos desdobramentos existenciais da pessoa. Diz Packter: “As psicoses, por exemplo, podem ser incluídas em seu campo de atividades”. A função da Filosofia Clínica não é exercida para causar sofrimento, ela se destina ao bem-estar da pessoa partilhante. Se determinada narrativa causa dor, sofrimento ou constrangimentos profundos não é recomendável insistir no assunto. O terapeuta deve esperar o momento adequado para desconstruir o choque existente e, se possível, retomar, sem levar a pessoa a mais sofrimentos além dos que já vivenciou, a não ser que essa pessoa queira. Pode ser doloroso, sofrido mesmo, mas é a pessoa que determina o fluxo da terapia, o que não pode é o filósofo clínico insistir na problemática causando mal-estar e sofrimento. Para tirar alguém do poço é preciso puxar para fora e não cair para dentro.

Nesse processo, o foco da Filosofia Clínica é o ser humano nas suas dimensões ética, axiológica, antropológica, científica, artística, epistemológicas; em suma, a pessoa é acompanhada na integralidade da sua vivência, nas relações no seu processo de dialético de ser e ir sendo, no devir permanente do mesmo que pode não ser mais o que é; é a consciência da alteridade, de respeito e carinho pelo outro no intinerário compartilhado das questões existenciais, das questões que se revelam fundamentalmente filosóficas. Nesse caminho não há um olhar, mas diversas técnicas para de olhar, examinar e pesquisar o ser do outro enquanto movimento conforme as referências de cada filósofo clínico. Movimento que, partindo do outro, determina a mobilidade da clínica, plástica, dúctil, extensa, fixa ou móvel, no consultório ou na residência, no hospital ou na casa de repouso, nas ruas ou em qualquer lugar onde partilhante e partilhado se sintam bem. É, portanto, o discurso prático que se faz na atenção, no exercício do ouvir, na capacitação do intuir e na desaprendizagem do aprender, desaprender a interpretar, desaprender a dogmatizar para, como Platão, observar que “nada é, tudo flui” e, por ser assim, não há um tipo acabado e definido de estrutura que possa ser apreendida e aprisionada nos conceitos das tipologias. Se, como Kant, tenho no conceito do outro uma representação da representação, a tipologia é a coisificação mecânica e indeterminada de uma penumbra, pela qual nos é dada em relevo contornos da aparência e nos perdemos, de vez, a possibilidade da aproximação à essência. Se assim o é, perdemos o outro e o imaginamos por uma tipologia genérica que a todos os diversos trata por iguais. Na Filosofia Clínica o outro é recebido como a diversidade, a síntese do múltiplo no diverso, a unidade singular e única do diverso que se expressa na estrutura mental com a qual se estabelece, com o outro, o partilhamento associativo nas suas estruturas de personalidade e pensamento no movimento que não classifica, apenas observa e se deixa observar, o fluxo de infinitos olhares de cada pessoa que tem um mundo próprio como representação.

Nesse pressuposto, recolhendo as afecções que o outro proporciona aos nossos sentidos, é possível estabelecer o conhecimento dessa alteridade associando intuição e entendimento no percurso, nem sempre calmo, do processo terapêutico. Um navegar na direção do outro, sem pressuposições ou pré-juízos, expurgados no desaprender a olhar as afecções eféticas, cujo impulso inicial vem da empatia que se põe em movimento a partir da entrevista inicial: o que traz o outro à Filosofia Clínica? Quais são os mistérios de Clarice, às vezes guardados, assim, de maneira tão firme! O que habita essas águas existências de formas e conteúdos tão diversos? Tais são, na soleira da clínica, os enigmas do filósofo que vê, como um Édipo, a sondar os mistérios da esfinge, pois, no portal da senda existencial só pode dizer que nada sabe do outro a não ser que ele aí está e com ele poderá conviver, por longo tempo, colhendo vivências, montando estruturas mentais e compartilhando experiências.

Princípios da Filosofia Clínica:

A priori não posso afirmar nada sobre a pessoa que me procura. A priori só posso dizer “eu não sei”. Só posso afirmar algo do partilhante depois de realizada a Colheita Categorial, montada a EP e efetivada a Autogenia.
A característica prática e teórica da Filosofia Clínica está na particularidade de que a priori nada posso afirmar da pessoa que me procura; não há moldes, “tipos ideais” ou quaisquer tipologias em que as pessoas possam ser demarcadas e classificadas em função da sua estrutura mental; apenas uma manifestação epidérmica do outro não me permite dizer ou verificar de forma ele se estrutura. Há, portanto, uma distinção ontológica na Filosofia Clínica que não opera com a representação mental de inconsciente, suas determinações se efetivam sempre no pressuposto da consciência.
Assim, se em outros campos terapêuticos o fato de uma pessoa organizar os livros da sua biblioteca de forma ordenada, rigorosamente, conforme a cronologia histórica dos autores, manifestando profunda contrariedade quando alguém altera essa disposição, pode ser simplesmente por uma opção racional de facilitar a consulta. Essa pessoa se desespera quando, nas estantes, Plotino se posiciona depois de Tomás de Aquino ou quando Kierkegaard se antepõe a Berkelei; pode ser apenas uma irritação natural, compressível sem qualquer vesga sintomática de “anormalidade”, mesmo porque, para a Filosofia Clínica os conceitos de “normal” e “anormal” podem não significar nada na malha; como procedimento terapêutico, cumpre identificar o que essa forma de organização representa à malha intelectiva dessa pessoa. Pode ser apenas que o ordenamento cronológico dos livros atende a opção pela periodização como forma pedagógica ou para facilitar o manuseio.

Filósofo Clínico

É um amigo ou amiga a usar seus conhecimentos filosóficos a serviço de uma terapia; necessariamente formado em faculdade de filosofia reconhecida pelo Ministro da Educação e Cultura e que tenha concluído e obtido aprovação no curso de Especialização em Filosofia Clínica, com pré-estágios e estágios supervisionados. O filósofo clínico é o profissional legalmente habilitado para assumir o trabalho terapêutico com a finalidade de possibilitar alívio existencial às pessoas que o procuram.

O processo terapêutico

O processo da Filosofia Clínica integra vários momentos e métodos, não divergentes, que se complementam na forma de ser da terapia. O primeiro momento consiste na acolhida da pessoa que procura os cuidados do filósofo ou da filósofa clínica apresentando um Assunto ou queixa. Para compreender este Assunto Imediato são realizados os Exames Categoriais ou Colheita Categorial, com o relato da documentação da vida da pessoa contada por ela mesma, desde as suas lembranças mais remotas até o momento atual. É necessário, como cuidado terapêutico, acompanhar e atualizar esse relato autobiográfico, com o mínimo de interferência na história que é relatada pela pessoa. Com “agendamentos mínimos”, o partilhante é incentivado a desenvolver a sua narrativa no sentido de possibilitar a máxima compreensão do Assunto que o motivou a procurar o atendimento clínico.
Busca-se, com isto, ter um relato inteiro, o mais completo possível, sem saltos temporais nem vazios lógicos, com pesquisa cauteloso e demorada de situações, eventos ou aspectos relevantes extraídos do histórico de vida da pessoa.
Concluída a Colheita Categorial, com os procedimentos de Divisão e Enraizamento, passa-ser à montagem da Estrutura de Pensamento com os dados recolhidos. É o momento de identificar a pessoa é existencialmentem, como é a disposição interna, ou seja, as disposições tópicas dessa Estrutura de Pensamento. Diz Packter: “Tudo o que você conhece, sente, intui, tudo o que há em você na sua totalidade, isso é a sua Estrutura de Pensamento”. Nessa montagem clínica, o filósofo agrupa as informações em termos ou frases aparentemente soltas, ligando-as por situações, contexto e descrições amplas, em conformidade com os critérios de preenchimento tópico que são Assunto Imediato, Dado Padrão e Dado Atualizado, distribuindo os tópicos da EP de acordo com as informações recolhidas na Colheita Categorial. Cada tópico da Estrutura de Pensamento é preenchido de acordo com os três critérios assinalados, considerando que esse método tem apenas efeito didático, pois, no movimento da EP, não há tópico isolado, hipostasiado, o que se busca é o entendimento da Autogenia, ou seja, a conformação das interseções tópicas. Os tópicos, portanto, não são rígidos, inflexíveis, pois, cada tópico isoladamente ou na sua relação estrutural pode ter sentido apenas quando relacionado a si mesmo ou com os demais tópicos.
Com a montagem da EP, o filósofo faz o seu planejamento clínico e identifica os Submodos a utilizar, quais são aqueles que têm acolhida na malha intelectiva do partilhante com vistas a desconstrução dos choques identificados ou apenas no sentido de acompanhar a pessoa no seu processo de reconhecimento de si.

Colheita Categorial Estrutura de Pensamento Submodos

Situa existencialmente a pessoa Determina o que a pessoa é Como a pessoa funciona

Estes, pois, junto com a Esteticidade e a Matemática Simbólica, são os momentos constitutivos e integrantes do processo terapêutico da Filosofia Clínica.

Colheita Categorial

O Exame Categorial é o primeiro momento da terapia, ele funciona como o alicerce sobre o qual será edificada a ação terapêutica, por isso mesmo, tem importância decisiva em todo o processo. É pela Colheita Categorial que o filósofo clínica conhece a pessoa e passa a identificar os eventos da vida do partilhante; são abordagens iniciais e determinantes do processo terapêutico; é necessário dedicar-se exaustivamente a essa prática que vem dos ensinamentos de Sócrates, da arte de partejar, de extrair o que está no outro, de aproximar-se e saber perguntar sem interferir, sem buscar no outro aquilo que eu quero ouvir; mas saber ouvir para que o outro expresse o que é dele mesmo, o que é da sua singularidade. Se a princípio nada sei da pessoa, são os exames categoriais que a trazem na sua estrutura e na sua plena configuração humana. Por isso é preciso saber ouvir e saber indagar. Perguntar, no sentido da velha e sábia técnica da maiêutica, da interrogação que não sem conduzir, não induz e nem interpreta, que apenas motiva a pessoa para a historicidade que lhe é própria. É nesse momento, com o mínimo de agendamento, que o filósofo clínica exercita e domina a sua capacidade de ouvir.
Os exames categoriais são instrumentos para o Filósofo Clínico compor o mundo existencial da pessoa. A montagem da Estrutura de Pensamento é possível se, e somente se os exames categoriais forem realizados adequadamente de forma a permitir a conformação existencial da pessoal, a conhecer as vivências dessa pessoa enquanto singularidade única. Nessa primeira etapa, em direção à montagem da Estrutura de Pensamento a partir da Colheita Categorial, são necessárias atenção e transcrição literal da narrativa da pessoa. O terapeuta não pode conduzir a terapia para onde ele quer, é preciso ter cuidado com interpretações, pois, além de ser grave erro clínico é uma transgressão ética perigosa. Vale ressaltar, sempre, o filósofo clínico não pode direcionar a terapia.
O que pode fazer o filósofo clínico, durante os exames categoriais senão ouvir? Ouvir e observar, saber ouvir o que o outro diz, o que ele expressa e verbaliza; perceber e ouvir o não-dito verbal, gestos, movimentos, aparências, vindas, recuos, aproximações, distanciamentos, os espaços do silêncio, as vozes do silêncio e perguntar para se aproximar, com muito cuidado e atenção, de forma delicada e carinhosa, com afeto e respeito para não interromper ou deformar o que vem do outro. Interrogações, muitas das quais, já as encontramos prontas nos diálogos platônicos como “O político”, “Menon”, “Banquete”, “Fedro”, “A República”, “ Fédon”, “Sofista”, “Político”, entre outros. Vale a citação de algumas delas, a saber: Qual? Que queres dizer? Como assim? Que pretendes dizer? A que te referes? E depois? De que se trata? Como poderia isso acontecer? De quem pretendes falar? Quem é? A que problema grave te referes? De que forma? De que modo, Sócrates? Entre que homens? E que espécie de caçador seria este? Que disseste? Que queres dizer com isso? Como é isso? Tens um exemplo? E então? Em que sentido? Como assim? Que queres dizer? E daí? E depois?
Nesses diálogos, indagação mais persistente “Que queres dizer?” pode ser uma ferramenta útil para o filósofo clínico identificar o termo, o juízo, a proposição ou conceito do verbo mental expresso pelo partilhante. Essas perguntas ou agendamentos cumprem uma função no processo clínico, têm o objetivo de preencher os saltos temporais, aqueles períodos não preenchidos pela historicidade da pessoa. Cumpre ao filósofo clínico coordenar o retorno ao tempo lógico da narrativa ou para obter melhor compreensão quanto a termos agendados, termos equívocos ou conceitos que devam ser pesquisados para melhor compreensão. As perguntas são instrumentos para estruturar a narrativa, aprofundar assuntos que o filósofo clínico considere importantes, preencher os dados divisórios para uma adequada colheita categorial.O terapeuta, com esses dados, constrói uma Estrutura de Pensamento informal, com as primeiras informações que obtém com a colheita categorial, para isto, é necessário deixar a pessoa se expressar. É fundamental evitar afronta à representação da pessoa quando o terapeuta propõe alternativas que conflitam com a singularidade do partilhante.

O Exame Categorial é a colheita da história da pessoa, é o trabalho de pesquisa do filósofo clínico junto à pessoa, é a colheita da vida da pessoa. Colhemos as categorias para localizar existencialmente a pessoa: onde mora, com quem vive, como vive, o que faz, como se sente no lugar onde vive, qual o tempo em que vive etc. Quanto à duração, esse processo é variável de partilhante para partilhante, em geral demanda de cinco a oito encontros.
Nesse exames buscamos desde o aspecto físico da pessoa, a sua aparência em geral, roupas, modo de falar, como gesticula, como se expressa e demais aspectos possíveis de serem identificados no Assunto Imediato, a primeira categoria a ser preenchida. A partir do histórico, poderão ser observados sinais e indicações de traços que possam ser conceituados como desvios esquizóides e que possam remeter a manifestações características próprias da psiquiatria e com as quais o filósofo clínico não pode atuar, sob pena de sanções legais. Esses traços aparecem com a categoria Circunstância. Com o material recolhido da categoria Lugar, identifica-se como a pessoa está sensorialmente nos destinos das suas vivências, nas questões pertinentes aos seus endereços existenciais, desde a relação com o corpo à interseção com o mundo sensorial. As confusões temporais, contradições e elaborações desestruturadas surgem na categoria Tempo e, finalmente, com a categoria Relação, os aspectos tornam-se evidentes mostrando com a pessoa se relaciona ou interseciona consigo, com os outros e com o mundo.
Nessa etapa da Colheita Categorial o filósofo limita-se a fazer indagações perguntas que não levem a interpretações ou induções. Deve-se ter o mínimo de agendamento, entendendo por agendamento a interferência do filósofo clínica no discurso do partilhante, por meio de perguntas e indagaçõees. Esse agendamento poder ser Mínimo ou Máximo. No processo Clínica usa-se, essencialmente, o Agendamento Mínimo que é o mínimo de interferência possível na narrativa do partilhante, para não atrapalhar o fluxo narrativo. Ex.:
- (...)
- Fale, por favor, dessa lembrança?
- Eu lembro do meu pai voando?
- Como assim?
- O meu pai voava. Ele era instrutor de asa delta e quando eu era bem pequena minha mãe me levava lá no alto onde tínhamos uma barraca e meu pai voava, parecia um pássaro enorme, colorido, muito bonito...
O terapeuta fez Agendamento Mínimo, sem interpretação, para obter mais informações sobre os termos do discurso da pessoa.
Quando ocorre um Agendamento Máximo, principalmente na Colheita Categorial, o filósofo pode estar interferindo, interpretando ou conduzindo a terapia, o que não é admitido. Situações como essa podem levar o partilhante a ver situações que ele não vivenciou, como há inúmeros exemplos em estudos de casos terapêuticos. Agendamento Máximo, como o que se segue jamais pode ser admitido:
Me fale do seu trabalho?
Meu trabalho é bastante complicado. Nem tenho vontade de falar, você sabe, há coisas que a gente faz para sobreviver, a gente precisa, então tem que fazer qualquer coisa ...
... é verdade, há alguns trabalhos que são verdadeiros sacrifícios, são castigos. Mas o que é mesmo que você faz?
Nesse exemplo o terapeuta fez um Agendamento Máximo, interferiu no discurso do outro, interpretou e expressou um pré-juízo que pode ser ruim para o partilhante. Se a pessoa buscou a filosofia para obter alívio existencial por causa de um trabalho que lhe causa sofrimento, o filósofo clínico, com esse agendamento, pode reforçar o mal-estar e até provocar uma afronta na representação desta pessoa comprometendo ou mesmo inviabilizando o processo clínico. Agendamento Máximo deve obedecer, rigorosamente, o preceito aristotélico da virtude da prudência.
Deve se evitar o uso do porquê, nos exames categorias, por se tratar de Agendamento Máximo. Durante a terapia o uso do porquê deve ser feito de forma cuidadosa, para não afrontar o partilhante. Nos exames categoriais não se usa o “porquê” para evitar a Argumentação Derivada.
A Colheita Categorial, com os cuidados já assinalados, começa pelo Assunto Imediato sendo preenchida com a figura da Historicidade e complementada com as demais figuras do Lugar, Tempo, Relação e Circunstância. Ainda na produção de uma Colheita Categorial válida deve-se atentar para Divisão e a determinação do Assunto Último. Essas figuras são os componentes essenciais na construção do alicerce terapêutico, cujo desenvolvimento permeará a ligação entre partilhante e terapeuta em função do nível de relação, de identificação efetivada entre eles.
Esse entendimento, como medida do processo terapêutico, é avaliado com os instrumentos da Matemática Simbólica desenvolvidos por Georg Cantor. Chama-se, então, de interseção a relação estabelecida entre o filósofo e o partilhante, que poderá ter diversas formas e conteúdos, dependendo de como ela se processa. A interseção pode ser boa para ambos, o partilhante e terapeuta vivenciam uma relação subjetivamente agradável que produz bem-estar entre eles, nesse caso há uma Interseção Positiva. Em caso de uma relação ruim, desagradável e que produz mal-estar, há uma Interseção Negativa. Pode ocorrer que ambos não definam o que está ocorrendo, se estás bom ou ruim, que apenas está, há uma Interseção Confusa. Ou ainda, a relação durante a terapia é oscilante não nem positiva, nem negativa nem confusa, é algo indeterminado, pela freqüência da oscilação, nessa caso há uma Interseção Indefinida.
Conforme Lúcio Lackter, “Tudo o mais está na dependência direta da interseção. Você pode dominar perfeitamente os submodos, os tópicos da Estrutura de Pensamento da pessoa, Autogenia e ainda mais – e tudo isso de nada servirá se a qualidade da interseção for ruim à atividade clínica. Quando me referir à boa qualidade de interseção estarei me referindo à empatia, sintonia, harmonia, amizade, interesse mútuo em proveito de uma causa, basicamente. É suficiente saber que toda a interseção deste mundo sem direcionamento clínico também conduz a muito pouco”.

O Assunto

Essa categoria, afirma Packter, “ nos informa rapidamente a questão e o jogo comunicativo em curso ... O filósofo procura saber o que faz a pessoa procurar por seus serviços: o que a trouxe até a ele, o que a move em direção à terapia (veio por desejo próprio ou de modo coercitivo, veio, enfim, por quais caminhos?)”. A pessoa que procura a Filosofia Clínica traz um Assunto Imediato a ser observado, um sintoma que precisa ser identificado em todas as circunstâncias possíveis, para isso o filósofo “... poderá fazer chover perguntas sobre a pessoa”, ensina Lúcio Packter, ressaltando: “... o Assunto Imediato é algo que nos é apresentado meio solto no ar, envolto em confusões, dúvidas e incoerências; quase sempre é apenas a resultante que incomoda de algo maior.”
O Assunto Imediato, portanto, é a queixa, o que leva a pessoa á clínica, é a primeira pista para o processo terapêutico; por analogia, pode ser identificado como febre que se manifesta como sintoma; é o concreto, do início da terapia, que se desvela fenomenologicamente no movimento da Colheita Categorial e cuja explicitação ocorrerá pela qualidade da interseção. Pode ser que o partilhante, por força de uma interseção negativa, não vá além do Assunto Imediato. Nesse momento, como em todo processo, a interseção será determinante.
Como o Assunto Imediato é a queixa que o partilhante traz à clínica, considerando que o processo clínico começa pelo Assunto Imediato, o filósofo clínico deve compreende-lo como um referencial, um indicativo para início da terapia, pode ser a problemática determinante como pode ter pouca relação com a questão essencial. Assim, o Assunto Ultimo revela-se como o que, verdadeiramente, deve ocupar-se a prática terapêutica.
Valem, aqui, as advertências de Lúcio Pakter: “... muitas vezes não teremos objetividade em caracterizar o Assunto Imediato ou não saberemos exatamente qual é o Assunto Último. Isso pode acontecer. Nem por isso há impedimento ao nosso trabalho, pois, pode estar aí a própria questão a ser trabalhada, ou pode estar implícito no processo que seja esta a condição para a atividade clínica ... Mesmo que não haja um Assunto Imediato, o que é raro, em seguida o filósofo deve continuar o estudo que localizará existencialmente a pessoa.” Nessa etapa é preciso deixar a pessoa falar, deixa-la abrir-se, falar, expor, narrar, recolher toda a biografia da sua vida, pesquisar termos e clarificar eventos, ouvir e observar.
Portanto, o Assunto traz a pessoa à clínica e, pelo seu desdobramento, o filósofo colherá o relato da vida do partilhante com as categorias da Circunstância, do Lugar, do Tempo e da Relação, com base no que será expresso pela pessoa, nas formas do seu discurso. No início o filósofo clínico indaga:

O que te levou a procurar a filosofia clínica?

O filósofo clínico usa o Agendamento para extrair o Assunto. A pessoa pode dizer que ainda não sabe, ela precisa de terapia, mas não qual a razão, ela quer descobrir. É preciso, então, fazer pesquisa, motivar a pessoa a falar e observar o discurso, examinar de forma literal, sem interpretações, observar a semiose da pessoa, ler todos os termos do discurso seja verbal ou somático; as frases, os períodos, as sentenças, os juízos e as proposições, ler sinais como sorrisos, olhares, gestos e movimentos corporais, permanecer atento e comprometido com a pessoa. Na prática da Filosofia Clínica o terapeuta tem que estar com um olho no peixe e o outro no gato. Deve-se estar atento não só à fala, mas a tudo e a tudo que vem do outro em dados de semiose. Lembrar que a clínica é fenomenológica; o nosso olhar pode nos enganar.

A Estrutura de Pensamento

É aquilo que a pessoa é, e se manifesta como fenomenologia da pessoa. A função da Filosofia Clínica é desconstruir choques localizados em tópicos da Estrutura de Pensamento.
A EP é plástica, móvel, dinâmica e fluente como um rio hieraclitiano, é o que a pessoa incorpora a sua estrutura, é o que está presente nos verbos somáticos e nos verbos mentais, é cérebro e mente, corpo e espírito, body and mind, corpus et änïma. A EP é o receptáculo dos juízos, dos valores, dos medos, das paixões, das buscas, dos encontros e desencontros, das sensações e das emoções e de tudo mais que estrutura o ser humano na sua singularidade existencial, pois, a EP é única em cada pessoa.
A EP se interliga ao mundo por meio de submodos que são formas de efetivação da Estrutura de Pensamento.

Submodos

É a forma de manifestação da EP no mundo, o jeito de efetivação da pessoa, quando eu falo, ou meu ato de falar, a forma como me expresso, o próprio expressar é um submodo e isto é assim, pois que tópicos da Estrutura de Pensamento podem, também, portar-se como submodo, manifesta, fenomenicamente, não como estrututura mas como forma de efetivação subjetiva.
Assim, o submodo corresponde ao funcionamento existencial da pessoa, como a pessoa funciona em sua vida existencial. Os submodos são o que a pessoa faz para efetivar o que está na sua Estrutura de Pensamento.
Exemplo: Para viabilizar o tópico Emoções, a moça manifesta o seu amor comprando um ramalhete de flores para enviar à pessoa amada.
Este foi o submodo utilizado para expressar o tópico Emoções na Direção ao Desfecho.

Filosofia Clínica e Medicina: interseções

Régis Barbier (médico - especialista em Filosofia Clínica - Recife)

Palestra proferida no IV Encontro do Nordeste de Filosofia Clínica - Natal - outubro de 2005



INTRODUÇÃO:

As praticas de saúde são tão antigas quanto a humanidade; fazem parte da própria condição de sobrevivência da espécie, desenvolvendo-se entre as primeiras civilizações do Oriente e do Ocidente. Caracterizam-se pela pratica do cuidar e têm como alicerces concepções evolucionistas e teológicas; foram desde sempre influenciadas pelas doutrinas religiosas e dogmas.

Os sacerdotes e pajés asseguravam atender as necessidades dos indivíduos ansiando por prosperidade material, pela saúde do corpo e boa ventura da alma. Esses desígnios estavam associados à pratica religiosa, num intento que envolvia milagres e encantamentos contra os demônios causadores dos males do corpo e da alma ou espírito. O sacerdote exercia o papel de mediador entre os homens e os deuses, investindo-se dos atributos das divindades, do poder de cura, ou até mesmo de vida ou de morte. A terapia era realizada nos templos, quando o doente se recuperava era resultado de uma operação milagrosa, quando morria assim era o seu destino.

Os que aliviam o sofrimento eram tradicionalmente: [1] os terapeutas (ou médicos); [2] os filósofos e [3] os sacerdotes. Hipocrates, considerado o pai da medicina, era, na Ilha de Kós há 2.500 anos, médico, filosofo e sacerdote do templo de Esculápio, o deus da cura e da medicina. Tratava-se de um círculo terapêutico trino.

O PACIENTE NA ILHA DE KÓS - RELIGIÃO, MEDICINA E FILOSOFIA:

A medicina se reunia à filosofia exortando os pacientes a aceitar e se conformar, buscar uma maneira de conviver, com inúmeras condições patológicas intratáveis, buscando dentro de si mesmo, na esfera de que está ‘no nosso poder’ no linguajar dos estóicos, essa postura de equilíbrio ou eutimia, isto é de serenidade e confiança, de imperturbabilidade apesar das disfunções.

Em alguns aspetos os objetivos da filosofia não se diferenciam claramente das metas de algumas religiões como é o caso do taoísmo e do budismo que são, na sua origem, práticas orientadas em busca da sabedoria e da união mística, ou Iluminação.

É de certa forma também o caso do estoicismo, do epicurismo e até mesmo do ceticismo cujo objetivo é chegar à ataraxia ou eqüipolência – a um estado sereno de ser.

Compravam-se igualmente favores espirituais na esperança de se ver curar pela fé ou pela oferenda; mas havia de certa forma uma triangulação aonde: a arte médica almejava a saúde; o alivio da dor e do sofrimento (dos pacientes e dos familiares); a filosofia em busca de serenidade e a religião aspirando por conformação; aceitação; entrega e boa ventura da alma.

COM O PASSAR DOS SÉCULOS:

O uso da lógica formal, para apoiar a investigação da natureza e dos assuntos atinentes à manutenção do bem estar físico e mental, foi deslocando a parte mais metafísica ou insubstancial do discurso filosófico fora da preocupação médica.

O outro lado, as elites, a intelligentsia das classes sacerdotais foi se aproximando sempre mais do poder político em busca de encontrar abrigo e apoio em defesa das suas instituições e hierarquias.

As classes religiosas inferiores, seus fieis e leigos, se organizaram vagarosamente; os poucos conhecimentos de saúde foram preservados pelo baixo clero, inicialmente desvinculados de interesses políticos e científicos, mas subseqüentemente concentrando todo o poder cultural e literário (na medida da erradicação das escolas de filosofias e bibliotecas).

No período medieval, muitos leigos, sem atividades econômicas e sem opções culturais, voltaram sua vida para a caridade, assistindo aos pobres e enfermos: criam-se inúmeras congregações e ordens religiosas e seculares ou mistas. É o caso dos beneditinos e do mosteiro de Monte Cassino; dos cistercienses; das Filhas da Caridade (1630) conhecidas como as Irmãs de S. Vicente de Paulo; da Ordem Terceira da Penitência; da Ordem Terceira do Carmo, dentre inúmeras outras.

Em Portugal, durante a Idade Média, inúmeros hospitais foram fundados quer pelos monarcas, quer por ordens religiosas. É o caso dos Hospitais de São Nicolau e de Montarroio que serviram de apoio ao ensino de medicina ministrado no Convento de Santa Cruz, ou de Confrarias ou Irmandades, como os Hospitais da Graça, de Nossa Senhora da Vitória, de São Lourenço, de São Marcos, de Santa Maria, de São Gião, de São Cristóvão, e de Santa Luzia.

Convém lembrar que, contrariamente ao que se passou em outros países, a secularização da medicina foi muito tardia no Brasil e Portugal: ocorreu com a proclamação da República, quando o Estado separou-se da Igreja. Foi apenas em 1774, no âmbito da Reforma da Universidade, que o Marquês de Pombal determinou que os Hospitais passassem a ser administrados pela Universidade, conservando os seus nomes, marcando esse momento a data do surgimento dos "Hospitais Universitários".

A “SANTA CASA” MODERNA E A CURA PELA FÉ:

Hoje, o espírito religioso permanece incorporado na atividade médica hospitalar: uma pesquisa de 1996 com 1000 pessoas adultas descobriu que 79% acreditavam que a fé espiritual poderia ajudar as pessoas a se recuperarem de doenças. Essa idéia também é popular entre os médicos. McNichol T. The new faith in medicine. USA Today, April 7, 1996, p 4.

Outra pesquisa feita pela Ouvidoria Geral da SES (Secretaria Estadual de Saúde de SP) em suas visitas a Hospitais e em conversas com usuários e familiares, constatou que a maioria dos pacientes internados nos Hospitais gostaria de receber apoio espiritual, independente do credo. Gostariam de receber em seus leitos alguém que pudesse ler as Sagradas Escrituras, orar ou rezar e oferecer conforto. Essa função tem sido exercida pelo(a) Capelão(ã). (http://www.saude.pb.gov.br/web_data/Ouvidoria/textos.shtml)

No mesmo artigo, o trabalho dos capelães é mencionado como bem recebido e incentivado por muitos médicos. Hoje a tendência é ver o(a) capelão(ã) como parte ativa da equipe. “A religiosidade promove a saúde” diz Francisco Lutufo, professor do departamento de psiquiatria da Universidade de São Paulo. “O contato com o/a capelão (ã) ajuda a aliviar o stress causado pela doença e aumentar a sensação de bem-estar. A aproximação da medicina com a religião não significa a prevalência da fé sobre a razão. Mas a religião/fé, dá sentido a vida, à doença e à morte. Afinal, o homem não é apenas um amontoado de órgãos e tecidos”.

Diversos fatores como a não oposição do clero á doação de órgãos, a maior escuta dos pacientes, a busca de humanizar a medicina e os resultados – embora controverso – dessas pesquisas correlacionando a melhor clínica à pratica de alguma forma de meditação ou culto vem estimulando a volta dos capelães aos hospitais, embora o fenômeno tem sido descrito como “ainda tímido” no Brasil se comparado ao que ocorre em países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha etc.

Ainda que alguns estudos tenham encontrado associações entre variados estilos e graus de praticas religiosas e estado de saúde, principalmente nas fases agudas, nenhum estudo bem planejado demonstrou que crenças religiosas ou orações realmente tragam benefícios à saúde. Sloan RP, Bagiella E, Powell T. Religion, spirituality and medicine. Lancet 353:664-667, 1999. The full text of this article can be accessed online by registering at the Lancet Web site and going to the contents page of the Feb 20th issue.

Na verdade, um estudo encontrou o oposto. O estudo envolveu pacientes cujos progressos foram acompanhados por nove meses após terem recebido alta de um hospital inglês; portanto na fase de convalescença. Eles avaliaram os registro dos pacientes de ambulatório e as respostas de 189 pacientes a questionários. Os pesquisadores concluíram que o estado de saúde dos pacientes com crenças espirituais mais fortes teve uma probabilidade superior a duas vezes de ficar inalterado ou pior. King M, Speck P, Thomas A. The effect of spiritual beliefs on outcome from illness. Social Science & Medicine 48:1291-1299, 1999. É possível que a confiança de que “a fé irá solucionar” ser um dos possíveis fatores do abandono dos cuidados médicos.

Parece que a idéia de que a religiosidade promove a saúde é um ‘pacote semântico’; algo que pode ser esclarecido pela melhor investigação e compreensão de alguns fatores tais como:

1- Do efeito Placebo e Nocebo

2- Do efeito da expectativa do paciente nos seus comportamentos e respostas neuro-endócrinas.

3- Do efeito hormonal do relaxamento.

4- Do efeito neuroquímico da respiração tranqüila.

5- Pelo estudo e controle dos estímulos incidentes no contexto médico hospitalar e pelo desenvolvimento de um contexto hospitalar pro-saúde.

Sabe-se que sensações de astenia, falta de força e coragem, podem ser facilmente induzidas (efeito Nocebo) apenas por uma expressão de desalento, de descrédito ou de duvida em 41% dos testados e que dores de cabeças e reumáticas podem melhorar com estímulos semânticos positivos em até 61 a 49% respectivamente (Temas de Psicologia em Saúde, Luiz Geraldo Benetton).

O SURGIMENTO DA PSIQUIATRIA E PSICOLOGIA:

No final do século XIX, Jean Martin Charcot (1825-1893), um eminente neurologista francês que empregava a hipnose para estudar a histeria, demonstrou que idéias mórbidas podiam produzir manifestações físicas. Seu aluno, o psicólogo Pierre Janet (1859-1947), considerou como prioritárias, para o desencadeamento do quadro histérico, muito mais as causas psicológicas do que as físicas. Joseph Breuer, médico vienense, também adotava o procedimento da hipnose, não apenas para suprimir sintomas, mas também para descobrir as causas profundas do sofrimento de seus pacientes. Durante seus estudos com Charcot (Salpetrière - 1885), Freud praticou e observou o emprego da hipnose. Em seguida, tornou-se colaborador de Joseph Breuer.

Antes desses estudos de Charcot e dos estudos da Salpetrière não havia uma ciência da psicologia propriamente dito, mas sim um compósito de filosofia e de fisiologia. É o estudo da histeria e da hipnose que permite o reconhecimento de que um nível mental próprio do individuo determina manifestações psicopatológicas: surge a psicologia como (1) estudo dos fenômenos intra-psíquicos no pleno (2) reconhecimento da importância da experiência da pessoa na geração dos estados de Ser.

Pierre Janet define o que ele chama de núcleos de personalidades e percebe plenamente a importância dos sentimentos no “equilíbrio psico-emocional”; Freud cria a psicanálise influenciando Adler (psicologia dos complexos e compensações) e Jung (o conceito de inconsciente coletivo e dos arquétipos) abrindo espaço para os desdobramentos da psicologia moderna.

O RENASCIMENTO FILOSÓFICO:

Nas curvas da história surge a modernidade trazendo, anunciada pela psicologia, a filosofia de volta no círculo da arte terapêutica. O movimento começa pela definição mais clara de uma nova especialidade, a psiquiatria, e principalmente pelo primeiro intento de se aplicar sistematicamente a filosofia à psiquiatria através dos trabalhos de Karl Jaspers – 1911. Fenomenologia (Husserl); a Hermenêutica (Heidegger); o Existencialismo (Sartre) adentram as cogitações terapêuticas através da “Analítica existencial e psiquiatria” de Ludwig Binswanger.

Outras formas de terapias mais intuitivas como a psicologia humanista de Maslow, a terapia Jungiana, e recentemente a psicologia Transpessoal, reforçam as conexões da arte terapêutica com a mística e religiosidade, reafirmando o ressurgimento da triangulação original tradicionalmente constituída: [1] dos terapeutas (ou médicos); [2] dos filósofos e [3] dos sacerdotes (como na ilha de Kós onde Hipocrates, era médico, filosofo e sacerdote do templo de Esculápio, o deus da cura e da medicina.

A globalização e enriquecimento do saber; associado ao recuo do dogmatismo, por sua vez compensado pelo (re)surgimento das religiosidades eco-humanistas (neo-paganismo, xamanismo, panenteísmo e panteísmo) permite o ressurgimento dos espaços filosóficos públicos - na mídia, nas praças, nos salões e cafés – sustentando uma re-introdução geral da filosofia (nas escolas e nos hospitais).

De certa forma dois discursos filosóficos perenes, atribuídos de uma ou de outra configuração, subjazem a esse movimento, a esse renascimento filosófico.

De um lado, um discurso humanista, essencialmente aristotélico, que é o discurso da consciência humanista; vindo do saber sobre a “psyché”; da idéia da alma una, voluntária e soberana; da necessidade existencial de forjar um sentido individual; o destaque da singularidade e dos potenciais dos indivíduos numa descrição fenomenológica impar, e do outro lado, uma perspectiva de conjunto onde o indivíduo é entendido como um dos elementos de uma massa alienada; onde todos são condicionados a submeter a consciência própria ou a autonomia, ato que permitiria receber conhecimento: quem conhece é o que detém o saber, não é o sujeito sendo pesquisado ou atendido. Esse saber, por sua vez, é legitimado ora porque é científico, ora porque é divino.

A NOVA INTERSEÇÃO MÉDICA-FILOSÓFICA: UMA INTERSEÇÃO INTERFÁSICA

Entendemos como está se processando, historicamente, a interseção da filosofia com a psiquiatria (como especialidade médica) e a psicologia, mas ainda precisamos antever os relacionamentos potenciais entre a atividade medica propriamente dita (essencialmente dedicada aos cuidados do corpo) e a filosófica terapêutica.

É natural e típico da filosofia clínica, é o seu modelo patognomônico, se confrontar com um partilhante atuando como sujeito ativo, sendo ouvido, compreendido e envolvido num diálogo nutridor com o filosofo: a escuta típica é a do sujeito, da pessoa, sendo o corpo silencioso, não gerando sintomas ou sinais clínicos patológicos acentuados. A lucidez do sujeito é plena, ele esta metaforicamente no seu solstício de verão: o dia é longo e a noite é curta.

É por sua vez natural da medicina deparar-se com um corpo objetivado, passivo, sendo cuidado, alimentado, medicado, operado, monitorizado e respirado como categoricamente acontece na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) onde o sujeito (o agente ou fonte de atividade) é muitas vezes ausente; uma ausência induzida e mantida (o estado de coma induzido). Aqui, neste momento, a lucidez do sujeito é mínima, ele esta metaforicamente no seu solstício de inverno: a noite é longa e o dia é curto.

Assim sendo, a interseção entre a filosofia e a medicina tende a ser, e essencialmente é uma “interseção interfásica” ou na nossa metáfora “equinocial”.

É precisamente nas fases onde o paciente se recupera de ocorrências médicas graves e significativas, ou então quando saindo de um internamento hospitalar, com intervenções cirúrgicas e resultantes seqüelas ou perda de funções, que a sua percepção de si mesmo e do mundo (como agente atuando no mundo), a sua estrutura de pensamento por inteira, propende a se reformular necessitando ser revistada e ponderada.

Essa mesma necessidade ocorre na passagem das fases da vida, entre a infância e a fase adulta: na adolescência; assim como na entrada da terceira idade.

A necessidade e indicação de filosofia clínica na prática médica

Asssunto

Lugar

1- Nas fases de transições (adolescência e terceira idade).

Pediatras e Geriatras

2- Na recuperação pós-traumática.

Ortopedia e Traumatologia

3- Na reabilitação dos enfermos.

Hospitais de Reabilitação e dept. de Fisiatria e cursos de Fisoterapia, Terapia Ocupacional (TO)

4- No pós-choque.

Médicos Intensivistas (UTI); Urgentistas

5- Nos pacientes com seqüelas.

Especialidades Médicas (Oftalmologia; Neurologia)

6- Nos politraumatizados.

Traumatologia

7- Nos pacientes com perdas funcionais.

Reabilitação e Sociedades de Fisiatria.

A EUTIMIA TERAPÊUTICA E A FILOSOFIA CLÍNICA:

A eutimia é a postura filosófica (de natureza somatocognitiva) fundamental e apta a favorecer a instalação e manutenção da melhor homeóstase possível do paciente em busca de cura e saúde: um estado potencialmente mais eficiente do que as circunstancias induzidos pelas praticas religiosas sendo divulgadas como aptas a diminuir as intercorrências hospitalares.

O estresse causa aquilo que se conhece como reação de combate ou fuga; essa resposta nas condições sociais típicas é evocada diversas vezes por dia, o que faz com o que corpo produza hormônios relacionados a essa estricção, como a adrenalina e o cortisol. Esses hormônios geram elevação da pressão sangüínea, depressão do sistema imunológico e, com o tempo, disfunções diversas.

Com o paciente mergulhado no âmbito hospitalar, de uma forma ou de outra traumatizado, tanto na esfera cognitiva quanto somática, a reação de estresse se intensifica e perdura pondo em risco a sua homeóstase, majorando graves dificuldades ao quadro clínico imediato.

O relaxamento psicofísico pode minimizar essa resposta, diminuindo os efeitos nocivos dos hormônios do estresse e ajudar a melhorar a saúde: existe um grande volume de evidências científicas apoiando essa alegação.

A Filosofia Clinica ainda não prevê uma prática breve, eminentemente filosófica, destinada à instalação rápida de um estado eutímico potencialmente indutor de homeóstase e por isso não oferece, nesses termos, alternativa ou interação sinérgica com as práticas espiritualistas.

OS FATORES DE SUCESSO EM PROL DE UMA INTERSEÇÃO MÉDICA E FILOSÓFICA PRÁTICA E ATUANTE:

Os co-fatores de sucesso:

Os co-fatores de sucesso necessitam ser apoiados e ampliados para garantir mais filosofia aonde seja necessário no seio da sociedade como nas escolas, nos hospitais, consultórios; etc. Esses fatores são:

· O surgimento dos movimentos eco-humanista (o retrocesso dos dogmas);

· O retorno da filosofia no meio social (nas praças, salões e cafés, escolas e consultórios).

Fatores específicos de sucesso da interseção medicina/filosofia:

· Estudar a eutimia (virtude filosófica) e os seus métodos de instalação do ponto de vista da manutenção e preservação de saúde nas fases mais intensa de estresse;

· Criar e divulgar uma pratica filosófica eutímica como via prescritível;

· Promover essa interseção interfásica ou equinocial junto às sociedades citadas;

· Elaborar uma disciplina de Filosofia Clinica para ser incluída como matéria eletiva nos cursos relacionados á área três: medicina, psicologia, fisioterapia, terapia ocupacional, enfermagem (os que cuidam dos enfermos poderão ser capacitados para cuidar filosoficamente).