quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A Filosofia Clínica

Apontamentos sobre Filosofia Clínica

A Filosofia Clínica consiste em um processo terapêutico desenvolvido pelo filósofo Lúcio Packter. É uma “arte” terapêutica que pode ser exercida por filósofos graduados e com certificado de especialização reconhecido pelo Instituto Packter. É uma terapia que se caracteriza por:

Usar o conhecimento da filosofia aplicado à terapia.

Aplicar a atividade filosófica à terapia do indivíduo.

Adaptar as teorias da filosofia às possibilidades do ser humano enquanto entificação que se realiza por si mesmo.

Conforme Lúcio Packter, a Filosofia Clínica “ tem uma concepção anômala na versão filosófica clínica: a vivência da circunstância relacional objetivando remeter às pessoas envolvidas diferentes opções às questões por elas propostas; isso, com base nos procedimentos filosóficos clínicos. Especificamente, o filósofo situa-se entre as amizades de quem partilha uma trajetória de vida tendo-se nisso a busca de opções ás problemáticas”. Segundo ele, nesse contexto não há preocupação com as curas medidas, pois, a terapia “localiza-se mais no âmbito da área educacional, enquanto filosofia”.

A Filosofia Clínica é indicada para as questões metapsicológicas, podendo ser aplicada simultaneamente a tratamentos médicos mentais como acompanhamento dos desdobramentos existenciais da pessoa. Diz Packter: “As psicoses, por exemplo, podem ser incluídas em seu campo de atividades”. A função da Filosofia Clínica não é exercida para causar sofrimento, ela se destina ao bem-estar da pessoa partilhante. Se determinada narrativa causa dor, sofrimento ou constrangimentos profundos não é recomendável insistir no assunto. O terapeuta deve esperar o momento adequado para desconstruir o choque existente e, se possível, retomar, sem levar a pessoa a mais sofrimentos além dos que já vivenciou, a não ser que essa pessoa queira. Pode ser doloroso, sofrido mesmo, mas é a pessoa que determina o fluxo da terapia, o que não pode é o filósofo clínico insistir na problemática causando mal-estar e sofrimento. Para tirar alguém do poço é preciso puxar para fora e não cair para dentro.

Nesse processo, o foco da Filosofia Clínica é o ser humano nas suas dimensões ética, axiológica, antropológica, científica, artística, epistemológicas; em suma, a pessoa é acompanhada na integralidade da sua vivência, nas relações no seu processo de dialético de ser e ir sendo, no devir permanente do mesmo que pode não ser mais o que é; é a consciência da alteridade, de respeito e carinho pelo outro no intinerário compartilhado das questões existenciais, das questões que se revelam fundamentalmente filosóficas. Nesse caminho não há um olhar, mas diversas técnicas para de olhar, examinar e pesquisar o ser do outro enquanto movimento conforme as referências de cada filósofo clínico. Movimento que, partindo do outro, determina a mobilidade da clínica, plástica, dúctil, extensa, fixa ou móvel, no consultório ou na residência, no hospital ou na casa de repouso, nas ruas ou em qualquer lugar onde partilhante e partilhado se sintam bem. É, portanto, o discurso prático que se faz na atenção, no exercício do ouvir, na capacitação do intuir e na desaprendizagem do aprender, desaprender a interpretar, desaprender a dogmatizar para, como Platão, observar que “nada é, tudo flui” e, por ser assim, não há um tipo acabado e definido de estrutura que possa ser apreendida e aprisionada nos conceitos das tipologias. Se, como Kant, tenho no conceito do outro uma representação da representação, a tipologia é a coisificação mecânica e indeterminada de uma penumbra, pela qual nos é dada em relevo contornos da aparência e nos perdemos, de vez, a possibilidade da aproximação à essência. Se assim o é, perdemos o outro e o imaginamos por uma tipologia genérica que a todos os diversos trata por iguais. Na Filosofia Clínica o outro é recebido como a diversidade, a síntese do múltiplo no diverso, a unidade singular e única do diverso que se expressa na estrutura mental com a qual se estabelece, com o outro, o partilhamento associativo nas suas estruturas de personalidade e pensamento no movimento que não classifica, apenas observa e se deixa observar, o fluxo de infinitos olhares de cada pessoa que tem um mundo próprio como representação.

Nesse pressuposto, recolhendo as afecções que o outro proporciona aos nossos sentidos, é possível estabelecer o conhecimento dessa alteridade associando intuição e entendimento no percurso, nem sempre calmo, do processo terapêutico. Um navegar na direção do outro, sem pressuposições ou pré-juízos, expurgados no desaprender a olhar as afecções eféticas, cujo impulso inicial vem da empatia que se põe em movimento a partir da entrevista inicial: o que traz o outro à Filosofia Clínica? Quais são os mistérios de Clarice, às vezes guardados, assim, de maneira tão firme! O que habita essas águas existências de formas e conteúdos tão diversos? Tais são, na soleira da clínica, os enigmas do filósofo que vê, como um Édipo, a sondar os mistérios da esfinge, pois, no portal da senda existencial só pode dizer que nada sabe do outro a não ser que ele aí está e com ele poderá conviver, por longo tempo, colhendo vivências, montando estruturas mentais e compartilhando experiências.

Princípios da Filosofia Clínica:

A priori não posso afirmar nada sobre a pessoa que me procura. A priori só posso dizer “eu não sei”. Só posso afirmar algo do partilhante depois de realizada a Colheita Categorial, montada a EP e efetivada a Autogenia.
A característica prática e teórica da Filosofia Clínica está na particularidade de que a priori nada posso afirmar da pessoa que me procura; não há moldes, “tipos ideais” ou quaisquer tipologias em que as pessoas possam ser demarcadas e classificadas em função da sua estrutura mental; apenas uma manifestação epidérmica do outro não me permite dizer ou verificar de forma ele se estrutura. Há, portanto, uma distinção ontológica na Filosofia Clínica que não opera com a representação mental de inconsciente, suas determinações se efetivam sempre no pressuposto da consciência.
Assim, se em outros campos terapêuticos o fato de uma pessoa organizar os livros da sua biblioteca de forma ordenada, rigorosamente, conforme a cronologia histórica dos autores, manifestando profunda contrariedade quando alguém altera essa disposição, pode ser simplesmente por uma opção racional de facilitar a consulta. Essa pessoa se desespera quando, nas estantes, Plotino se posiciona depois de Tomás de Aquino ou quando Kierkegaard se antepõe a Berkelei; pode ser apenas uma irritação natural, compressível sem qualquer vesga sintomática de “anormalidade”, mesmo porque, para a Filosofia Clínica os conceitos de “normal” e “anormal” podem não significar nada na malha; como procedimento terapêutico, cumpre identificar o que essa forma de organização representa à malha intelectiva dessa pessoa. Pode ser apenas que o ordenamento cronológico dos livros atende a opção pela periodização como forma pedagógica ou para facilitar o manuseio.

Filósofo Clínico

É um amigo ou amiga a usar seus conhecimentos filosóficos a serviço de uma terapia; necessariamente formado em faculdade de filosofia reconhecida pelo Ministro da Educação e Cultura e que tenha concluído e obtido aprovação no curso de Especialização em Filosofia Clínica, com pré-estágios e estágios supervisionados. O filósofo clínico é o profissional legalmente habilitado para assumir o trabalho terapêutico com a finalidade de possibilitar alívio existencial às pessoas que o procuram.

O processo terapêutico

O processo da Filosofia Clínica integra vários momentos e métodos, não divergentes, que se complementam na forma de ser da terapia. O primeiro momento consiste na acolhida da pessoa que procura os cuidados do filósofo ou da filósofa clínica apresentando um Assunto ou queixa. Para compreender este Assunto Imediato são realizados os Exames Categoriais ou Colheita Categorial, com o relato da documentação da vida da pessoa contada por ela mesma, desde as suas lembranças mais remotas até o momento atual. É necessário, como cuidado terapêutico, acompanhar e atualizar esse relato autobiográfico, com o mínimo de interferência na história que é relatada pela pessoa. Com “agendamentos mínimos”, o partilhante é incentivado a desenvolver a sua narrativa no sentido de possibilitar a máxima compreensão do Assunto que o motivou a procurar o atendimento clínico.
Busca-se, com isto, ter um relato inteiro, o mais completo possível, sem saltos temporais nem vazios lógicos, com pesquisa cauteloso e demorada de situações, eventos ou aspectos relevantes extraídos do histórico de vida da pessoa.
Concluída a Colheita Categorial, com os procedimentos de Divisão e Enraizamento, passa-ser à montagem da Estrutura de Pensamento com os dados recolhidos. É o momento de identificar a pessoa é existencialmentem, como é a disposição interna, ou seja, as disposições tópicas dessa Estrutura de Pensamento. Diz Packter: “Tudo o que você conhece, sente, intui, tudo o que há em você na sua totalidade, isso é a sua Estrutura de Pensamento”. Nessa montagem clínica, o filósofo agrupa as informações em termos ou frases aparentemente soltas, ligando-as por situações, contexto e descrições amplas, em conformidade com os critérios de preenchimento tópico que são Assunto Imediato, Dado Padrão e Dado Atualizado, distribuindo os tópicos da EP de acordo com as informações recolhidas na Colheita Categorial. Cada tópico da Estrutura de Pensamento é preenchido de acordo com os três critérios assinalados, considerando que esse método tem apenas efeito didático, pois, no movimento da EP, não há tópico isolado, hipostasiado, o que se busca é o entendimento da Autogenia, ou seja, a conformação das interseções tópicas. Os tópicos, portanto, não são rígidos, inflexíveis, pois, cada tópico isoladamente ou na sua relação estrutural pode ter sentido apenas quando relacionado a si mesmo ou com os demais tópicos.
Com a montagem da EP, o filósofo faz o seu planejamento clínico e identifica os Submodos a utilizar, quais são aqueles que têm acolhida na malha intelectiva do partilhante com vistas a desconstrução dos choques identificados ou apenas no sentido de acompanhar a pessoa no seu processo de reconhecimento de si.

Colheita Categorial Estrutura de Pensamento Submodos

Situa existencialmente a pessoa Determina o que a pessoa é Como a pessoa funciona

Estes, pois, junto com a Esteticidade e a Matemática Simbólica, são os momentos constitutivos e integrantes do processo terapêutico da Filosofia Clínica.

Colheita Categorial

O Exame Categorial é o primeiro momento da terapia, ele funciona como o alicerce sobre o qual será edificada a ação terapêutica, por isso mesmo, tem importância decisiva em todo o processo. É pela Colheita Categorial que o filósofo clínica conhece a pessoa e passa a identificar os eventos da vida do partilhante; são abordagens iniciais e determinantes do processo terapêutico; é necessário dedicar-se exaustivamente a essa prática que vem dos ensinamentos de Sócrates, da arte de partejar, de extrair o que está no outro, de aproximar-se e saber perguntar sem interferir, sem buscar no outro aquilo que eu quero ouvir; mas saber ouvir para que o outro expresse o que é dele mesmo, o que é da sua singularidade. Se a princípio nada sei da pessoa, são os exames categoriais que a trazem na sua estrutura e na sua plena configuração humana. Por isso é preciso saber ouvir e saber indagar. Perguntar, no sentido da velha e sábia técnica da maiêutica, da interrogação que não sem conduzir, não induz e nem interpreta, que apenas motiva a pessoa para a historicidade que lhe é própria. É nesse momento, com o mínimo de agendamento, que o filósofo clínica exercita e domina a sua capacidade de ouvir.
Os exames categoriais são instrumentos para o Filósofo Clínico compor o mundo existencial da pessoa. A montagem da Estrutura de Pensamento é possível se, e somente se os exames categoriais forem realizados adequadamente de forma a permitir a conformação existencial da pessoal, a conhecer as vivências dessa pessoa enquanto singularidade única. Nessa primeira etapa, em direção à montagem da Estrutura de Pensamento a partir da Colheita Categorial, são necessárias atenção e transcrição literal da narrativa da pessoa. O terapeuta não pode conduzir a terapia para onde ele quer, é preciso ter cuidado com interpretações, pois, além de ser grave erro clínico é uma transgressão ética perigosa. Vale ressaltar, sempre, o filósofo clínico não pode direcionar a terapia.
O que pode fazer o filósofo clínico, durante os exames categoriais senão ouvir? Ouvir e observar, saber ouvir o que o outro diz, o que ele expressa e verbaliza; perceber e ouvir o não-dito verbal, gestos, movimentos, aparências, vindas, recuos, aproximações, distanciamentos, os espaços do silêncio, as vozes do silêncio e perguntar para se aproximar, com muito cuidado e atenção, de forma delicada e carinhosa, com afeto e respeito para não interromper ou deformar o que vem do outro. Interrogações, muitas das quais, já as encontramos prontas nos diálogos platônicos como “O político”, “Menon”, “Banquete”, “Fedro”, “A República”, “ Fédon”, “Sofista”, “Político”, entre outros. Vale a citação de algumas delas, a saber: Qual? Que queres dizer? Como assim? Que pretendes dizer? A que te referes? E depois? De que se trata? Como poderia isso acontecer? De quem pretendes falar? Quem é? A que problema grave te referes? De que forma? De que modo, Sócrates? Entre que homens? E que espécie de caçador seria este? Que disseste? Que queres dizer com isso? Como é isso? Tens um exemplo? E então? Em que sentido? Como assim? Que queres dizer? E daí? E depois?
Nesses diálogos, indagação mais persistente “Que queres dizer?” pode ser uma ferramenta útil para o filósofo clínico identificar o termo, o juízo, a proposição ou conceito do verbo mental expresso pelo partilhante. Essas perguntas ou agendamentos cumprem uma função no processo clínico, têm o objetivo de preencher os saltos temporais, aqueles períodos não preenchidos pela historicidade da pessoa. Cumpre ao filósofo clínico coordenar o retorno ao tempo lógico da narrativa ou para obter melhor compreensão quanto a termos agendados, termos equívocos ou conceitos que devam ser pesquisados para melhor compreensão. As perguntas são instrumentos para estruturar a narrativa, aprofundar assuntos que o filósofo clínico considere importantes, preencher os dados divisórios para uma adequada colheita categorial.O terapeuta, com esses dados, constrói uma Estrutura de Pensamento informal, com as primeiras informações que obtém com a colheita categorial, para isto, é necessário deixar a pessoa se expressar. É fundamental evitar afronta à representação da pessoa quando o terapeuta propõe alternativas que conflitam com a singularidade do partilhante.

O Exame Categorial é a colheita da história da pessoa, é o trabalho de pesquisa do filósofo clínico junto à pessoa, é a colheita da vida da pessoa. Colhemos as categorias para localizar existencialmente a pessoa: onde mora, com quem vive, como vive, o que faz, como se sente no lugar onde vive, qual o tempo em que vive etc. Quanto à duração, esse processo é variável de partilhante para partilhante, em geral demanda de cinco a oito encontros.
Nesse exames buscamos desde o aspecto físico da pessoa, a sua aparência em geral, roupas, modo de falar, como gesticula, como se expressa e demais aspectos possíveis de serem identificados no Assunto Imediato, a primeira categoria a ser preenchida. A partir do histórico, poderão ser observados sinais e indicações de traços que possam ser conceituados como desvios esquizóides e que possam remeter a manifestações características próprias da psiquiatria e com as quais o filósofo clínico não pode atuar, sob pena de sanções legais. Esses traços aparecem com a categoria Circunstância. Com o material recolhido da categoria Lugar, identifica-se como a pessoa está sensorialmente nos destinos das suas vivências, nas questões pertinentes aos seus endereços existenciais, desde a relação com o corpo à interseção com o mundo sensorial. As confusões temporais, contradições e elaborações desestruturadas surgem na categoria Tempo e, finalmente, com a categoria Relação, os aspectos tornam-se evidentes mostrando com a pessoa se relaciona ou interseciona consigo, com os outros e com o mundo.
Nessa etapa da Colheita Categorial o filósofo limita-se a fazer indagações perguntas que não levem a interpretações ou induções. Deve-se ter o mínimo de agendamento, entendendo por agendamento a interferência do filósofo clínica no discurso do partilhante, por meio de perguntas e indagaçõees. Esse agendamento poder ser Mínimo ou Máximo. No processo Clínica usa-se, essencialmente, o Agendamento Mínimo que é o mínimo de interferência possível na narrativa do partilhante, para não atrapalhar o fluxo narrativo. Ex.:
- (...)
- Fale, por favor, dessa lembrança?
- Eu lembro do meu pai voando?
- Como assim?
- O meu pai voava. Ele era instrutor de asa delta e quando eu era bem pequena minha mãe me levava lá no alto onde tínhamos uma barraca e meu pai voava, parecia um pássaro enorme, colorido, muito bonito...
O terapeuta fez Agendamento Mínimo, sem interpretação, para obter mais informações sobre os termos do discurso da pessoa.
Quando ocorre um Agendamento Máximo, principalmente na Colheita Categorial, o filósofo pode estar interferindo, interpretando ou conduzindo a terapia, o que não é admitido. Situações como essa podem levar o partilhante a ver situações que ele não vivenciou, como há inúmeros exemplos em estudos de casos terapêuticos. Agendamento Máximo, como o que se segue jamais pode ser admitido:
Me fale do seu trabalho?
Meu trabalho é bastante complicado. Nem tenho vontade de falar, você sabe, há coisas que a gente faz para sobreviver, a gente precisa, então tem que fazer qualquer coisa ...
... é verdade, há alguns trabalhos que são verdadeiros sacrifícios, são castigos. Mas o que é mesmo que você faz?
Nesse exemplo o terapeuta fez um Agendamento Máximo, interferiu no discurso do outro, interpretou e expressou um pré-juízo que pode ser ruim para o partilhante. Se a pessoa buscou a filosofia para obter alívio existencial por causa de um trabalho que lhe causa sofrimento, o filósofo clínico, com esse agendamento, pode reforçar o mal-estar e até provocar uma afronta na representação desta pessoa comprometendo ou mesmo inviabilizando o processo clínico. Agendamento Máximo deve obedecer, rigorosamente, o preceito aristotélico da virtude da prudência.
Deve se evitar o uso do porquê, nos exames categorias, por se tratar de Agendamento Máximo. Durante a terapia o uso do porquê deve ser feito de forma cuidadosa, para não afrontar o partilhante. Nos exames categoriais não se usa o “porquê” para evitar a Argumentação Derivada.
A Colheita Categorial, com os cuidados já assinalados, começa pelo Assunto Imediato sendo preenchida com a figura da Historicidade e complementada com as demais figuras do Lugar, Tempo, Relação e Circunstância. Ainda na produção de uma Colheita Categorial válida deve-se atentar para Divisão e a determinação do Assunto Último. Essas figuras são os componentes essenciais na construção do alicerce terapêutico, cujo desenvolvimento permeará a ligação entre partilhante e terapeuta em função do nível de relação, de identificação efetivada entre eles.
Esse entendimento, como medida do processo terapêutico, é avaliado com os instrumentos da Matemática Simbólica desenvolvidos por Georg Cantor. Chama-se, então, de interseção a relação estabelecida entre o filósofo e o partilhante, que poderá ter diversas formas e conteúdos, dependendo de como ela se processa. A interseção pode ser boa para ambos, o partilhante e terapeuta vivenciam uma relação subjetivamente agradável que produz bem-estar entre eles, nesse caso há uma Interseção Positiva. Em caso de uma relação ruim, desagradável e que produz mal-estar, há uma Interseção Negativa. Pode ocorrer que ambos não definam o que está ocorrendo, se estás bom ou ruim, que apenas está, há uma Interseção Confusa. Ou ainda, a relação durante a terapia é oscilante não nem positiva, nem negativa nem confusa, é algo indeterminado, pela freqüência da oscilação, nessa caso há uma Interseção Indefinida.
Conforme Lúcio Lackter, “Tudo o mais está na dependência direta da interseção. Você pode dominar perfeitamente os submodos, os tópicos da Estrutura de Pensamento da pessoa, Autogenia e ainda mais – e tudo isso de nada servirá se a qualidade da interseção for ruim à atividade clínica. Quando me referir à boa qualidade de interseção estarei me referindo à empatia, sintonia, harmonia, amizade, interesse mútuo em proveito de uma causa, basicamente. É suficiente saber que toda a interseção deste mundo sem direcionamento clínico também conduz a muito pouco”.

O Assunto

Essa categoria, afirma Packter, “ nos informa rapidamente a questão e o jogo comunicativo em curso ... O filósofo procura saber o que faz a pessoa procurar por seus serviços: o que a trouxe até a ele, o que a move em direção à terapia (veio por desejo próprio ou de modo coercitivo, veio, enfim, por quais caminhos?)”. A pessoa que procura a Filosofia Clínica traz um Assunto Imediato a ser observado, um sintoma que precisa ser identificado em todas as circunstâncias possíveis, para isso o filósofo “... poderá fazer chover perguntas sobre a pessoa”, ensina Lúcio Packter, ressaltando: “... o Assunto Imediato é algo que nos é apresentado meio solto no ar, envolto em confusões, dúvidas e incoerências; quase sempre é apenas a resultante que incomoda de algo maior.”
O Assunto Imediato, portanto, é a queixa, o que leva a pessoa á clínica, é a primeira pista para o processo terapêutico; por analogia, pode ser identificado como febre que se manifesta como sintoma; é o concreto, do início da terapia, que se desvela fenomenologicamente no movimento da Colheita Categorial e cuja explicitação ocorrerá pela qualidade da interseção. Pode ser que o partilhante, por força de uma interseção negativa, não vá além do Assunto Imediato. Nesse momento, como em todo processo, a interseção será determinante.
Como o Assunto Imediato é a queixa que o partilhante traz à clínica, considerando que o processo clínico começa pelo Assunto Imediato, o filósofo clínico deve compreende-lo como um referencial, um indicativo para início da terapia, pode ser a problemática determinante como pode ter pouca relação com a questão essencial. Assim, o Assunto Ultimo revela-se como o que, verdadeiramente, deve ocupar-se a prática terapêutica.
Valem, aqui, as advertências de Lúcio Pakter: “... muitas vezes não teremos objetividade em caracterizar o Assunto Imediato ou não saberemos exatamente qual é o Assunto Último. Isso pode acontecer. Nem por isso há impedimento ao nosso trabalho, pois, pode estar aí a própria questão a ser trabalhada, ou pode estar implícito no processo que seja esta a condição para a atividade clínica ... Mesmo que não haja um Assunto Imediato, o que é raro, em seguida o filósofo deve continuar o estudo que localizará existencialmente a pessoa.” Nessa etapa é preciso deixar a pessoa falar, deixa-la abrir-se, falar, expor, narrar, recolher toda a biografia da sua vida, pesquisar termos e clarificar eventos, ouvir e observar.
Portanto, o Assunto traz a pessoa à clínica e, pelo seu desdobramento, o filósofo colherá o relato da vida do partilhante com as categorias da Circunstância, do Lugar, do Tempo e da Relação, com base no que será expresso pela pessoa, nas formas do seu discurso. No início o filósofo clínico indaga:

O que te levou a procurar a filosofia clínica?

O filósofo clínico usa o Agendamento para extrair o Assunto. A pessoa pode dizer que ainda não sabe, ela precisa de terapia, mas não qual a razão, ela quer descobrir. É preciso, então, fazer pesquisa, motivar a pessoa a falar e observar o discurso, examinar de forma literal, sem interpretações, observar a semiose da pessoa, ler todos os termos do discurso seja verbal ou somático; as frases, os períodos, as sentenças, os juízos e as proposições, ler sinais como sorrisos, olhares, gestos e movimentos corporais, permanecer atento e comprometido com a pessoa. Na prática da Filosofia Clínica o terapeuta tem que estar com um olho no peixe e o outro no gato. Deve-se estar atento não só à fala, mas a tudo e a tudo que vem do outro em dados de semiose. Lembrar que a clínica é fenomenológica; o nosso olhar pode nos enganar.

A Estrutura de Pensamento

É aquilo que a pessoa é, e se manifesta como fenomenologia da pessoa. A função da Filosofia Clínica é desconstruir choques localizados em tópicos da Estrutura de Pensamento.
A EP é plástica, móvel, dinâmica e fluente como um rio hieraclitiano, é o que a pessoa incorpora a sua estrutura, é o que está presente nos verbos somáticos e nos verbos mentais, é cérebro e mente, corpo e espírito, body and mind, corpus et änïma. A EP é o receptáculo dos juízos, dos valores, dos medos, das paixões, das buscas, dos encontros e desencontros, das sensações e das emoções e de tudo mais que estrutura o ser humano na sua singularidade existencial, pois, a EP é única em cada pessoa.
A EP se interliga ao mundo por meio de submodos que são formas de efetivação da Estrutura de Pensamento.

Submodos

É a forma de manifestação da EP no mundo, o jeito de efetivação da pessoa, quando eu falo, ou meu ato de falar, a forma como me expresso, o próprio expressar é um submodo e isto é assim, pois que tópicos da Estrutura de Pensamento podem, também, portar-se como submodo, manifesta, fenomenicamente, não como estrututura mas como forma de efetivação subjetiva.
Assim, o submodo corresponde ao funcionamento existencial da pessoa, como a pessoa funciona em sua vida existencial. Os submodos são o que a pessoa faz para efetivar o que está na sua Estrutura de Pensamento.
Exemplo: Para viabilizar o tópico Emoções, a moça manifesta o seu amor comprando um ramalhete de flores para enviar à pessoa amada.
Este foi o submodo utilizado para expressar o tópico Emoções na Direção ao Desfecho.

Filosofia Clínica e Medicina: interseções

Régis Barbier (médico - especialista em Filosofia Clínica - Recife)

Palestra proferida no IV Encontro do Nordeste de Filosofia Clínica - Natal - outubro de 2005



INTRODUÇÃO:

As praticas de saúde são tão antigas quanto a humanidade; fazem parte da própria condição de sobrevivência da espécie, desenvolvendo-se entre as primeiras civilizações do Oriente e do Ocidente. Caracterizam-se pela pratica do cuidar e têm como alicerces concepções evolucionistas e teológicas; foram desde sempre influenciadas pelas doutrinas religiosas e dogmas.

Os sacerdotes e pajés asseguravam atender as necessidades dos indivíduos ansiando por prosperidade material, pela saúde do corpo e boa ventura da alma. Esses desígnios estavam associados à pratica religiosa, num intento que envolvia milagres e encantamentos contra os demônios causadores dos males do corpo e da alma ou espírito. O sacerdote exercia o papel de mediador entre os homens e os deuses, investindo-se dos atributos das divindades, do poder de cura, ou até mesmo de vida ou de morte. A terapia era realizada nos templos, quando o doente se recuperava era resultado de uma operação milagrosa, quando morria assim era o seu destino.

Os que aliviam o sofrimento eram tradicionalmente: [1] os terapeutas (ou médicos); [2] os filósofos e [3] os sacerdotes. Hipocrates, considerado o pai da medicina, era, na Ilha de Kós há 2.500 anos, médico, filosofo e sacerdote do templo de Esculápio, o deus da cura e da medicina. Tratava-se de um círculo terapêutico trino.

O PACIENTE NA ILHA DE KÓS - RELIGIÃO, MEDICINA E FILOSOFIA:

A medicina se reunia à filosofia exortando os pacientes a aceitar e se conformar, buscar uma maneira de conviver, com inúmeras condições patológicas intratáveis, buscando dentro de si mesmo, na esfera de que está ‘no nosso poder’ no linguajar dos estóicos, essa postura de equilíbrio ou eutimia, isto é de serenidade e confiança, de imperturbabilidade apesar das disfunções.

Em alguns aspetos os objetivos da filosofia não se diferenciam claramente das metas de algumas religiões como é o caso do taoísmo e do budismo que são, na sua origem, práticas orientadas em busca da sabedoria e da união mística, ou Iluminação.

É de certa forma também o caso do estoicismo, do epicurismo e até mesmo do ceticismo cujo objetivo é chegar à ataraxia ou eqüipolência – a um estado sereno de ser.

Compravam-se igualmente favores espirituais na esperança de se ver curar pela fé ou pela oferenda; mas havia de certa forma uma triangulação aonde: a arte médica almejava a saúde; o alivio da dor e do sofrimento (dos pacientes e dos familiares); a filosofia em busca de serenidade e a religião aspirando por conformação; aceitação; entrega e boa ventura da alma.

COM O PASSAR DOS SÉCULOS:

O uso da lógica formal, para apoiar a investigação da natureza e dos assuntos atinentes à manutenção do bem estar físico e mental, foi deslocando a parte mais metafísica ou insubstancial do discurso filosófico fora da preocupação médica.

O outro lado, as elites, a intelligentsia das classes sacerdotais foi se aproximando sempre mais do poder político em busca de encontrar abrigo e apoio em defesa das suas instituições e hierarquias.

As classes religiosas inferiores, seus fieis e leigos, se organizaram vagarosamente; os poucos conhecimentos de saúde foram preservados pelo baixo clero, inicialmente desvinculados de interesses políticos e científicos, mas subseqüentemente concentrando todo o poder cultural e literário (na medida da erradicação das escolas de filosofias e bibliotecas).

No período medieval, muitos leigos, sem atividades econômicas e sem opções culturais, voltaram sua vida para a caridade, assistindo aos pobres e enfermos: criam-se inúmeras congregações e ordens religiosas e seculares ou mistas. É o caso dos beneditinos e do mosteiro de Monte Cassino; dos cistercienses; das Filhas da Caridade (1630) conhecidas como as Irmãs de S. Vicente de Paulo; da Ordem Terceira da Penitência; da Ordem Terceira do Carmo, dentre inúmeras outras.

Em Portugal, durante a Idade Média, inúmeros hospitais foram fundados quer pelos monarcas, quer por ordens religiosas. É o caso dos Hospitais de São Nicolau e de Montarroio que serviram de apoio ao ensino de medicina ministrado no Convento de Santa Cruz, ou de Confrarias ou Irmandades, como os Hospitais da Graça, de Nossa Senhora da Vitória, de São Lourenço, de São Marcos, de Santa Maria, de São Gião, de São Cristóvão, e de Santa Luzia.

Convém lembrar que, contrariamente ao que se passou em outros países, a secularização da medicina foi muito tardia no Brasil e Portugal: ocorreu com a proclamação da República, quando o Estado separou-se da Igreja. Foi apenas em 1774, no âmbito da Reforma da Universidade, que o Marquês de Pombal determinou que os Hospitais passassem a ser administrados pela Universidade, conservando os seus nomes, marcando esse momento a data do surgimento dos "Hospitais Universitários".

A “SANTA CASA” MODERNA E A CURA PELA FÉ:

Hoje, o espírito religioso permanece incorporado na atividade médica hospitalar: uma pesquisa de 1996 com 1000 pessoas adultas descobriu que 79% acreditavam que a fé espiritual poderia ajudar as pessoas a se recuperarem de doenças. Essa idéia também é popular entre os médicos. McNichol T. The new faith in medicine. USA Today, April 7, 1996, p 4.

Outra pesquisa feita pela Ouvidoria Geral da SES (Secretaria Estadual de Saúde de SP) em suas visitas a Hospitais e em conversas com usuários e familiares, constatou que a maioria dos pacientes internados nos Hospitais gostaria de receber apoio espiritual, independente do credo. Gostariam de receber em seus leitos alguém que pudesse ler as Sagradas Escrituras, orar ou rezar e oferecer conforto. Essa função tem sido exercida pelo(a) Capelão(ã). (http://www.saude.pb.gov.br/web_data/Ouvidoria/textos.shtml)

No mesmo artigo, o trabalho dos capelães é mencionado como bem recebido e incentivado por muitos médicos. Hoje a tendência é ver o(a) capelão(ã) como parte ativa da equipe. “A religiosidade promove a saúde” diz Francisco Lutufo, professor do departamento de psiquiatria da Universidade de São Paulo. “O contato com o/a capelão (ã) ajuda a aliviar o stress causado pela doença e aumentar a sensação de bem-estar. A aproximação da medicina com a religião não significa a prevalência da fé sobre a razão. Mas a religião/fé, dá sentido a vida, à doença e à morte. Afinal, o homem não é apenas um amontoado de órgãos e tecidos”.

Diversos fatores como a não oposição do clero á doação de órgãos, a maior escuta dos pacientes, a busca de humanizar a medicina e os resultados – embora controverso – dessas pesquisas correlacionando a melhor clínica à pratica de alguma forma de meditação ou culto vem estimulando a volta dos capelães aos hospitais, embora o fenômeno tem sido descrito como “ainda tímido” no Brasil se comparado ao que ocorre em países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha etc.

Ainda que alguns estudos tenham encontrado associações entre variados estilos e graus de praticas religiosas e estado de saúde, principalmente nas fases agudas, nenhum estudo bem planejado demonstrou que crenças religiosas ou orações realmente tragam benefícios à saúde. Sloan RP, Bagiella E, Powell T. Religion, spirituality and medicine. Lancet 353:664-667, 1999. The full text of this article can be accessed online by registering at the Lancet Web site and going to the contents page of the Feb 20th issue.

Na verdade, um estudo encontrou o oposto. O estudo envolveu pacientes cujos progressos foram acompanhados por nove meses após terem recebido alta de um hospital inglês; portanto na fase de convalescença. Eles avaliaram os registro dos pacientes de ambulatório e as respostas de 189 pacientes a questionários. Os pesquisadores concluíram que o estado de saúde dos pacientes com crenças espirituais mais fortes teve uma probabilidade superior a duas vezes de ficar inalterado ou pior. King M, Speck P, Thomas A. The effect of spiritual beliefs on outcome from illness. Social Science & Medicine 48:1291-1299, 1999. É possível que a confiança de que “a fé irá solucionar” ser um dos possíveis fatores do abandono dos cuidados médicos.

Parece que a idéia de que a religiosidade promove a saúde é um ‘pacote semântico’; algo que pode ser esclarecido pela melhor investigação e compreensão de alguns fatores tais como:

1- Do efeito Placebo e Nocebo

2- Do efeito da expectativa do paciente nos seus comportamentos e respostas neuro-endócrinas.

3- Do efeito hormonal do relaxamento.

4- Do efeito neuroquímico da respiração tranqüila.

5- Pelo estudo e controle dos estímulos incidentes no contexto médico hospitalar e pelo desenvolvimento de um contexto hospitalar pro-saúde.

Sabe-se que sensações de astenia, falta de força e coragem, podem ser facilmente induzidas (efeito Nocebo) apenas por uma expressão de desalento, de descrédito ou de duvida em 41% dos testados e que dores de cabeças e reumáticas podem melhorar com estímulos semânticos positivos em até 61 a 49% respectivamente (Temas de Psicologia em Saúde, Luiz Geraldo Benetton).

O SURGIMENTO DA PSIQUIATRIA E PSICOLOGIA:

No final do século XIX, Jean Martin Charcot (1825-1893), um eminente neurologista francês que empregava a hipnose para estudar a histeria, demonstrou que idéias mórbidas podiam produzir manifestações físicas. Seu aluno, o psicólogo Pierre Janet (1859-1947), considerou como prioritárias, para o desencadeamento do quadro histérico, muito mais as causas psicológicas do que as físicas. Joseph Breuer, médico vienense, também adotava o procedimento da hipnose, não apenas para suprimir sintomas, mas também para descobrir as causas profundas do sofrimento de seus pacientes. Durante seus estudos com Charcot (Salpetrière - 1885), Freud praticou e observou o emprego da hipnose. Em seguida, tornou-se colaborador de Joseph Breuer.

Antes desses estudos de Charcot e dos estudos da Salpetrière não havia uma ciência da psicologia propriamente dito, mas sim um compósito de filosofia e de fisiologia. É o estudo da histeria e da hipnose que permite o reconhecimento de que um nível mental próprio do individuo determina manifestações psicopatológicas: surge a psicologia como (1) estudo dos fenômenos intra-psíquicos no pleno (2) reconhecimento da importância da experiência da pessoa na geração dos estados de Ser.

Pierre Janet define o que ele chama de núcleos de personalidades e percebe plenamente a importância dos sentimentos no “equilíbrio psico-emocional”; Freud cria a psicanálise influenciando Adler (psicologia dos complexos e compensações) e Jung (o conceito de inconsciente coletivo e dos arquétipos) abrindo espaço para os desdobramentos da psicologia moderna.

O RENASCIMENTO FILOSÓFICO:

Nas curvas da história surge a modernidade trazendo, anunciada pela psicologia, a filosofia de volta no círculo da arte terapêutica. O movimento começa pela definição mais clara de uma nova especialidade, a psiquiatria, e principalmente pelo primeiro intento de se aplicar sistematicamente a filosofia à psiquiatria através dos trabalhos de Karl Jaspers – 1911. Fenomenologia (Husserl); a Hermenêutica (Heidegger); o Existencialismo (Sartre) adentram as cogitações terapêuticas através da “Analítica existencial e psiquiatria” de Ludwig Binswanger.

Outras formas de terapias mais intuitivas como a psicologia humanista de Maslow, a terapia Jungiana, e recentemente a psicologia Transpessoal, reforçam as conexões da arte terapêutica com a mística e religiosidade, reafirmando o ressurgimento da triangulação original tradicionalmente constituída: [1] dos terapeutas (ou médicos); [2] dos filósofos e [3] dos sacerdotes (como na ilha de Kós onde Hipocrates, era médico, filosofo e sacerdote do templo de Esculápio, o deus da cura e da medicina.

A globalização e enriquecimento do saber; associado ao recuo do dogmatismo, por sua vez compensado pelo (re)surgimento das religiosidades eco-humanistas (neo-paganismo, xamanismo, panenteísmo e panteísmo) permite o ressurgimento dos espaços filosóficos públicos - na mídia, nas praças, nos salões e cafés – sustentando uma re-introdução geral da filosofia (nas escolas e nos hospitais).

De certa forma dois discursos filosóficos perenes, atribuídos de uma ou de outra configuração, subjazem a esse movimento, a esse renascimento filosófico.

De um lado, um discurso humanista, essencialmente aristotélico, que é o discurso da consciência humanista; vindo do saber sobre a “psyché”; da idéia da alma una, voluntária e soberana; da necessidade existencial de forjar um sentido individual; o destaque da singularidade e dos potenciais dos indivíduos numa descrição fenomenológica impar, e do outro lado, uma perspectiva de conjunto onde o indivíduo é entendido como um dos elementos de uma massa alienada; onde todos são condicionados a submeter a consciência própria ou a autonomia, ato que permitiria receber conhecimento: quem conhece é o que detém o saber, não é o sujeito sendo pesquisado ou atendido. Esse saber, por sua vez, é legitimado ora porque é científico, ora porque é divino.

A NOVA INTERSEÇÃO MÉDICA-FILOSÓFICA: UMA INTERSEÇÃO INTERFÁSICA

Entendemos como está se processando, historicamente, a interseção da filosofia com a psiquiatria (como especialidade médica) e a psicologia, mas ainda precisamos antever os relacionamentos potenciais entre a atividade medica propriamente dita (essencialmente dedicada aos cuidados do corpo) e a filosófica terapêutica.

É natural e típico da filosofia clínica, é o seu modelo patognomônico, se confrontar com um partilhante atuando como sujeito ativo, sendo ouvido, compreendido e envolvido num diálogo nutridor com o filosofo: a escuta típica é a do sujeito, da pessoa, sendo o corpo silencioso, não gerando sintomas ou sinais clínicos patológicos acentuados. A lucidez do sujeito é plena, ele esta metaforicamente no seu solstício de verão: o dia é longo e a noite é curta.

É por sua vez natural da medicina deparar-se com um corpo objetivado, passivo, sendo cuidado, alimentado, medicado, operado, monitorizado e respirado como categoricamente acontece na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) onde o sujeito (o agente ou fonte de atividade) é muitas vezes ausente; uma ausência induzida e mantida (o estado de coma induzido). Aqui, neste momento, a lucidez do sujeito é mínima, ele esta metaforicamente no seu solstício de inverno: a noite é longa e o dia é curto.

Assim sendo, a interseção entre a filosofia e a medicina tende a ser, e essencialmente é uma “interseção interfásica” ou na nossa metáfora “equinocial”.

É precisamente nas fases onde o paciente se recupera de ocorrências médicas graves e significativas, ou então quando saindo de um internamento hospitalar, com intervenções cirúrgicas e resultantes seqüelas ou perda de funções, que a sua percepção de si mesmo e do mundo (como agente atuando no mundo), a sua estrutura de pensamento por inteira, propende a se reformular necessitando ser revistada e ponderada.

Essa mesma necessidade ocorre na passagem das fases da vida, entre a infância e a fase adulta: na adolescência; assim como na entrada da terceira idade.

A necessidade e indicação de filosofia clínica na prática médica

Asssunto

Lugar

1- Nas fases de transições (adolescência e terceira idade).

Pediatras e Geriatras

2- Na recuperação pós-traumática.

Ortopedia e Traumatologia

3- Na reabilitação dos enfermos.

Hospitais de Reabilitação e dept. de Fisiatria e cursos de Fisoterapia, Terapia Ocupacional (TO)

4- No pós-choque.

Médicos Intensivistas (UTI); Urgentistas

5- Nos pacientes com seqüelas.

Especialidades Médicas (Oftalmologia; Neurologia)

6- Nos politraumatizados.

Traumatologia

7- Nos pacientes com perdas funcionais.

Reabilitação e Sociedades de Fisiatria.

A EUTIMIA TERAPÊUTICA E A FILOSOFIA CLÍNICA:

A eutimia é a postura filosófica (de natureza somatocognitiva) fundamental e apta a favorecer a instalação e manutenção da melhor homeóstase possível do paciente em busca de cura e saúde: um estado potencialmente mais eficiente do que as circunstancias induzidos pelas praticas religiosas sendo divulgadas como aptas a diminuir as intercorrências hospitalares.

O estresse causa aquilo que se conhece como reação de combate ou fuga; essa resposta nas condições sociais típicas é evocada diversas vezes por dia, o que faz com o que corpo produza hormônios relacionados a essa estricção, como a adrenalina e o cortisol. Esses hormônios geram elevação da pressão sangüínea, depressão do sistema imunológico e, com o tempo, disfunções diversas.

Com o paciente mergulhado no âmbito hospitalar, de uma forma ou de outra traumatizado, tanto na esfera cognitiva quanto somática, a reação de estresse se intensifica e perdura pondo em risco a sua homeóstase, majorando graves dificuldades ao quadro clínico imediato.

O relaxamento psicofísico pode minimizar essa resposta, diminuindo os efeitos nocivos dos hormônios do estresse e ajudar a melhorar a saúde: existe um grande volume de evidências científicas apoiando essa alegação.

A Filosofia Clinica ainda não prevê uma prática breve, eminentemente filosófica, destinada à instalação rápida de um estado eutímico potencialmente indutor de homeóstase e por isso não oferece, nesses termos, alternativa ou interação sinérgica com as práticas espiritualistas.

OS FATORES DE SUCESSO EM PROL DE UMA INTERSEÇÃO MÉDICA E FILOSÓFICA PRÁTICA E ATUANTE:

Os co-fatores de sucesso:

Os co-fatores de sucesso necessitam ser apoiados e ampliados para garantir mais filosofia aonde seja necessário no seio da sociedade como nas escolas, nos hospitais, consultórios; etc. Esses fatores são:

· O surgimento dos movimentos eco-humanista (o retrocesso dos dogmas);

· O retorno da filosofia no meio social (nas praças, salões e cafés, escolas e consultórios).

Fatores específicos de sucesso da interseção medicina/filosofia:

· Estudar a eutimia (virtude filosófica) e os seus métodos de instalação do ponto de vista da manutenção e preservação de saúde nas fases mais intensa de estresse;

· Criar e divulgar uma pratica filosófica eutímica como via prescritível;

· Promover essa interseção interfásica ou equinocial junto às sociedades citadas;

· Elaborar uma disciplina de Filosofia Clinica para ser incluída como matéria eletiva nos cursos relacionados á área três: medicina, psicologia, fisioterapia, terapia ocupacional, enfermagem (os que cuidam dos enfermos poderão ser capacitados para cuidar filosoficamente).

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