Filosofia Clínica: porque fazer terapia com um filósofo clínico?

Porque fazer terapia com um filósofo clínico?
Lúcio Packter

 
Em uma palestra que fiz recentemente em um dos maiores e mais conceituados hospitais do país, o Hospital Moinhos de Vento, na capital gaúcha, para neurologistas, psiquiatras, enfermeiros e outros profissionais, surgiu uma pergunta que se tornou rotina em minhas palestras em Universidades e Faculdades: por que fazer terapia com um filósofo clínico? Por que não fazer terapia com um psiquiatra, com um psicólogo, com um psicanalista? Se uma pessoa precisasse de auxílio de um terapeuta o que faria com que ela optasse por um filósofo clínico?
Quando surge esta pergunta em minhas palestras, logo me surgem no pensamento os atendimentos que presto a centenas de pessoas a cada mês em dezenas de cidades pelo país. As respostas então começam a aparecer, uma a uma. Primeiro, um filósofo clínico tem estudos em Lógica. Por isso, quando uma pessoa traz ao consultório uma falácia como dizer que nunca será inteligente o suficiente por ser filho adotivo, como ouvi de um jovem no Centro Médico São José onde atendo, é fácil constatar o sofisma ligado à falsa causa (Non causa pro causa – post hoc ergo propter hoc). Segundo, um filósofo clínico pesquisa Analítica de Linguagem. Na Universidade Moura Lacerda, em Ribeirão Preto, instituição em que coordeno a pós-graduação em Filosofia Clínica, costumo fazer meus atendimentos em um belo jardim, próximo a uma cachoeira, às tardes. Houve um dia no qual ouvi o seguinte de uma senhora:
- Minha mãe tinha razão quando dizia que filha que seguisse seus conselhos não teria os dissabores que ela teve.
Mas esta senhora cometeu um erro de contexto diante da ambigüidade gramatical da mãe que se referia a uma irmã e não a ela. Um caso conhecido como Anfibologia. Terceiro que um filósofo clínico reflete sobre Epistemologia. Ou seja, ele procura saber como a pessoa conhece as coisas. Não usa uma Teoria do Conhecimento prévia; busca a Teoria do Conhecimento que existe na pessoa. Um jovem a quem atendi no jardim da Universidade Estadual do Ceará, em Fortaleza, dizia que conhecia muito bem sua noiva, pois aprendera a duvidar das palavras e a ouvir o corpo, os olhos, a pele dela quando ela falava. O problema é que a Epistemologia que adotou lhe trazia sérios embaraços, uma vez que ela usava o corpo exatamente para falsear informações. Assim, ela chorava simulando um arrependimento e ele acreditava piamente nisso. Quarto, um filósofo clínico realiza aprofundamentos em áreas como o Estruturalismo. Aprende a relacionar elementos. Desde modo, quando existe um choque dentro da pessoa entre a razão e a emoção ele possui instrumentos peculiares para procurar entender o que acontece com a pessoa.
Certa ocasião, em Florianópolis, no Hospital de Caridade, atendi a um rapaz aflito porque seu coração, seus sentimentos, eram hostilizados por suas próprias reflexões, sua razão. Ao examinar sua historicidade desde seu nascimento, ele começou a notar que seu coração costumava levá-lo a encrencas, enquanto a razão lhe apontava o melhor caminho. Claro que isso era assim para ele. Para outra pessoa poderia ser o contrário disso. Mas ainda há uma série de outros itens que tornariam este artigo extenso em demasia para os propósitos iniciais de ilustração. Itens como a subjetividade, ética, a normal alteridade, a contingência do existir e assim por diante. São questões que estarão descritas em meu próximo livro. Apenas o item sobre a maneira normal como um filósofo clínico entende e como interpreta a existência merece um capítulo em separado.
Em casos de sofismas, de itens epistemológicos, de itens axiológicos e outros itens que o senso comum por si somente denuncie, não é sequer necessário o uso da Filosofia Clínica. Porém, em casos profundos, intrincados, com normal silogismos e premissas repletas de dubiedades, as diretrizes de uma clínica podem apresentar emaranhados difíceis de se deslindar. Talvez também por isso entre meus alunos no curso de Filosofia Clínica eu tenha cada vez mais médicos, psicólogos, assistentes sociais, psicanalistas, enfermeiros. Mas também os filósofos clínicos devem aprender noções de neurofisiologia e farmacologia, entre outros assuntos importantes, para não correrem o risco de normal tratar uma pessoa que se diga deprimida existencialmente quando, em verdade, possui alguma grave questão endócrina ou oriunda do sistema nervoso.
A indicação da Filosofia Clínica pressupõe suas limitações.Por exemplo: um tumor na parte anterior do cérebro exige a presença imediata de um médico. O filósofo clínico, dependendo do que está acontecendo, será, em alguns casos, desaconselhável a um acompanhamento.
A Filosofia Clínica é diferente da Psicologia, da Psiquiatria, da Psicanálise, e trouxe ferramentas conceituais úteis que podem contribuir em uma interdisciplinaridade cada vez mais atuante.